A Bioética da Beira do leito reforça que eventuais efeitos de distorções cognitivas precisam ser evitados no ecossistema da beira do leito. Vivenciei recém-formado, por exemplo, a deformação do comportamento na beira do leito motivada por resquícios do disposto no primeiro texto sobre ética médica no Brasil cerca de 40 anos antes, há muito substituído.
De fato, em 1929, entrou em vigor o artigo 8º do Código de Moral Médica: O enfermo deve implícita obediência às prescrições medicas, as quais não lhe é permitido alterar de maneira alguma. Igual regra é aplicada ao regime dietético, ao exercício e qualquer outras indicações higiênicas que o facultativo creia necessário impor-lhe.
Em 1969, o Código de Ética Médica de 1965 já continha o Artigo 49º- O médico, salvo no caso de “iminente perigo de vida”, não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explicito do paciente, e tratando-se de menor ou de incapaz, de seu representante legal. O desenvolvimento da Bioética após Van Rensselaer Potter (1911-2001) ter publicado Bridge to the Future, em 1971, robusteceu o progressivo respeito à pessoa do paciente e o direito à autonomia do pós-segunda guerra mundial.
O vigoroso paternalismo enfraqueceu, todavia, uma adjetivação separou o admissível – paternalismo brando, que não trata o capaz como um incapaz, mas deseja sinceramente o seu bem como um pai ao filho- do inadmissível- paternalismo forte por coerção. A beira do leito rejeitou a eliminação radical do termo paternalismo.
O bioamigo há de convir que a chamada decisão compartilhada ao gosto de muitos pensadores sobre tomada de decisão na beira do leito está próxima de um paternalismo brando. De fato, conceitualmente, Sim e Não vão oscilando no decorrer do compartilhamento e tomando o lugar do outro na medida em que as evidências científicas e a clínica do paciente dispostas pelo médico vão sendo apreciadas pela personalidade do paciente e escolhas com aceitação bilateral vão acontecendo. Ao final, os ajustes sustentam um uníssono médico-paciente, um consentimento bem articulado. No fundo, a concordância dá-se com uma densidade maior na exposição do médico que embora tolerante com a visão de bem-estar do paciente está enquadrada numa moldura ética e, assim, simula a atitude do pai liberal, no caso paternalismo brando, até um ponto aceitável – e compartilhável.
Na situação do não consentimento pelo paciente que faz a ruptura da conduta recomendada com a conduta consentida, cabe ao profissional da saúde interessar-se pela reversão da decisão do paciente, o que subentende considerar o Não doutor como uma resposta provisória. Assim sendo, o profissional da saúde deve procurar entender os eventuais motivos, refazer esclarecimentos, aceitar ajustes que não conflitem com sua consciência profissional. A arte da segunda primeira opinião.
De modo ético, um esforço para uma adaptação para a beira do leito do deslocamento da chamada janela de Overton (Joseph Paulo, 1960-2003) é bem-vindo numa dimensão branda do paternalismo.