Pertencimento é termo recente. O sentimento de fazer parte, de integrar e interagir, a conjugação da presença e da curiosidade como atitude ética.
Pertencimento a uma comunidade de interpretação traz o lado da inclusão de que todos precisamos, mas também o potencial da manipulação, do abuso. Faz lembrar Jair Rodrigues (1939-2014): Na boiada já fui boi, mas um dia me montei. O difícil equilíbrio entre ora acompanhar a boiada e ora conduzi-la. Opressão e libertação.
Pertencimento na beira do leito lembra diretrizes clínicas. O médico faz acontecer o patrimônio da medicina e o sentimento de a ela pertencer como base no profissionalismo. O acesso ao conhecimento de excelência pelos médicos ficou, todavia, dificultado pela valorização e expansão das evidências- interpretações de conclusões de pesquisas. Muita literatura rapidamente se sucedendo para uma leitura atualizada com eficiência. Terceirizar para as sociedades de especialidade foi preciso!
A figura tradicional da junta médica ao redor de um paciente transmutou-se para uma junta de especialistas num ambiente sem paciente numa organização de conduta em nome de sociedade de especialidade e visando a uma orientação para pacientes em geral. Rapidamente, as várias sociedades de especialidade reconheceram as necessidades e criaram departamentos de elaboração de diretrizes clínicas encarregados de publicar orientações num determinado perfil editorial assinadas por reconhecidos experts convocados para tal.
Cada membro designado para a elaboração de uma diretriz clínica em nome de uma sociedade de especialidade não sabe toda medicina aplicável ao tema em questão, mas, cogita-se, o conjunto sabe mais do que qualquer especialista, tanto o mais abrangente quanto o mais aprofundado numa determinada circunstância clínica.
Pela estruturação objetivada, diretrizes clínicas criam plataformas de conhecimento validadas e atualizadas, mas quando utilizadas na beira do leito comportamentos não previstos podem ocorrer. De fato, há um outro da moeda, contextos distintos para mesmo texto.
A Bioética da Beira do leito interessa-se pela análise crítica deste mundo real – e por isso surpreendente- fundamentado na medicina baseada em evidência.
Há poucas décadas, o experiente integrava sua vivência profissional com as atualidades facilitadas, e mais recentemente o inexperiente passou a fundamentar seu ofício no conteúdo das diretrizes clínicas.
Devemos ter sempre em mente que nos primórdios do século XX, a especialização em medicina era mal vista pelo prejuízo da visão de conjunto. Afetaria a sua vitalidade e relevância. Criou muita tensão. O mundo real dos progressos e das necessidades prevaleceu sobre teorizações embora sem as negar em sua essência e, hoje, o sistema da saúde precisa tanto do olhar de conjunto da atenção primária e do médico de família quanto do super-especialista num determinado aspecto terciário ou quaternário da infinitude da medicina.