Prudência e zelo são pilares pétreos da ética médica. O direito à autonomia pelo paciente é essência de cidadania da beira do leito contemporânea. A conexão médico-paciente está sujeita a fortes influências da tríade prudência-zelo-autonomia.
No Código de Ética Médica vigente, os dois primeiros componentes estão expressos por seus antônimos imprudência e negligência. Já o antônimo de autonomia é heteronomia que na conexão médico-paciente ganha a conotação de paternalismo.
Todavia, apreciações do mundo real da beira do leito motivaram subdividir o paternalismo em brando e forte, vale dizer, a adjetivação forte tornou-se o verdadeiro antônimo de autonomia e a adjetivação brando tem um espaço de convivência na dimensão da autonomia.
O momento final da tomada de decisão sobre conduta recomendável a ser aplicada que é marcado pelo Sim ou Não do consentimento livre e esclarecido representa a interface entre a prudência na recomendação e o zelo na aplicação do consentido. Por isso, a Bioética da Beira do leito entende que o direito do paciente de se manifestar a respeito da conduta recomendada pelo médico pode ser visto como uma ligação entre a prudência e o zelo.
Em termos práticos e habituais, após a o consentimento pelo paciente, a recomendação é efetivada pelo médico sob a ética do zelo. Ilustremos com um ato operatório clássico e seu decorrer hospitalar: entre o início da anestesia geral e a liberação da alta hospitalar, as escolhas são essencialmente realizadas pela equipe de profissionais da saúde, por exemplo, o tamanho da incisão, o tipo de fio, a calibragem anestésica, a medicação pós-operatória, o momento para caminhar, etc…, etc… Tudo isto compõe o preceito ético do zelo, fazer bem feito o que foi autorizado a fazer segundo as boas práticas. Assim, de maneira geral, sem nenhuma intercorrência, o direito à autonomia do paciente não é exercido, ou melhor o seu consentimento está válido. Para fins do posicionamento da Bioética da Beira do leito, zelo profissional e exercício da autonomia pelo paciente, em tese, não compartilham momentos na beira do leito.
A integração conceitual da autonomia fica, portanto, com a prudência no decorrer do processo de tomada de decisão sobre uma conduta, quer em seu momento final, ou, idealmente, num passo-a-passo com ambas caminhando juntas, o que facilita os ajustes pró-consentimento.
Assim sendo, após expressar-se pelo consentimento, o direito à autonomia pelo paciente fica subjugado pelo zelo com o autorizado- não ser negligente com o que foi consentido- que requer o comprometimento profissional com a técnica. Caso haja pedras no caminho percorrido após a aplicação e fora da abrangência do consentimento, a prudência retorna à pauta para sustentar novas necessidades de decisão.
Esta situação intercorrente admite algumas apreciações conceituais sobre o par prudência-autonomia, mais especificamente sobre a abrangência do consentido, pois dependendo da intercorrência poderão ocorrer distintos conflitos entre o senso de responsabilidade do médico sobre o que praticou e respsito a novos posicionamentos autonômicos do paciente. São cenários onde o paternalismo paira sobre a conexão médico-paciente e embaralha-se ao zelo.