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815- Pandemônio pandêmico (Parte 6)

Aventuras na História · As Viagens de Gulliver: uma ácida crítica ...
Gulliver em Lilliput
Crédito: http://hupokhondria.com/2020/01/20/o-fio-invisivel-de-ariadne-miralva/

Recebido em dezembro de 2019. Imagem reinterpretada em março de 2020Recebido em dezembro de 2019-Imagem reinterpretada em março de 2020

mINhA CASA

SE UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS (Confúcio, 551 aC – 479 aC), ENTÃO QUATRO IMAGENS CONTAM UMA HISTÓRIA 

Neste viralizado, esquisito e sombrio ano 2020 pela chegada de um intruso tão invisível quanto importuno, período sabático forçado e forçando uma sensação coletiva de efeito Orloff, nossos hábitos derreteram, não mais percebemos a ordem linear do tempo, ele circula qual carrossel, o passado não está nem fazendo o presente nem sendo construção do futuro. A preexistência tornou-se uma memória que de repente ficou insuficiente para orientar os próximos passos. Estamos tendo que sobreviver pelos avessos do que entendíamos como os melhores nortes. Míngua o supérfluo, cresce o essencial.

O pare e pense ficou compulsório… e com tempo de sobra – e espaço de menos- para tentar incorporar Teseu, herói da mitologia grega, e, assim, obter conselhos de algum Oráculo de Delfos e conseguir um fio de Ariadne para sair do labirinto a que fomos conduzidos. Aliás, um labirinto tridimensional e, assim, o fio de Ariadne precisa ser representado por uma espiral de soluções. Ademais, precisamos do amparo do filósofo Giles Deleuze (1925-1995) e dar razão a Michel Foucault (1926-1984) que profetizou que “um dia, talvez, o século será deleuziano”, apenas corrigindo para o século XXI.

Michel Foucault e Giles Deleuze
Michel Foucault e Giles Deleuze

Incertezas dominam os ambientes, a inteligência natural está exigida ao máximo, o esplendor exaltado da inteligência artificial há poucos meses de repente ficou oculto. Tudo virou simultaneamente não esgotado e esgotável. A máscara boca/nariz tornou-se um símbolo do momento, pois estamos sendo o que não somos… ou somos e só agora percebemos? A  liberdade duela com a consciência e o touché atinge a alma.

A pandemia provoca uma sucessão de livre opinião, muitos entendendo ter liberdade subjetiva para se expressar racional e emocionalmente sobre vários ângulos da capacidade de um vírus (toxina, veneno) vir – ou não vir- a se transformar numa doença. Urge estabelecer concordâncias bem justificadas e à margem de preconceitos e imediatismos emocionais pelo aprofundamento da transdisciplinaridade catalizadora da razão, cuidando para evitar tanto banalizar o protagonismo de ideias, quanto o domínio da pós-verdade. Mais do mesmo, mais é menos, pelo menos basta suportam o possível de imaginação/pensamento/ideia em  articulações entre sensibilidade e entendimento.

De alguma forma, os incessantes pensamentos provocados pertencem ao tempo atual, cuidam das novidades surgidas, entretanto, as projeções sobre o futuro requerem saberes e sabedorias forjados em retornos a inúmeras situações prévias com maior ou menor superposição ao que estamos vivenciando. Não é possível libertar o presente da submissão ao passado, novas informações automaticamente batem à porta da memória, mas todos percebem que a entrada do inédito faz o futuro depender de novas gêneses.

Desta forma, a necessidade de reatualizar de modo diferente a insuficiência da medicina – a expectativa na medicina pode ser infinita, mas o poder de resolução é finito – motiva a procura de processos que combinam memória e criatividade, transgressões e tradições numa calibragem dinâmica em incessante feedback, lápis e borracha agitados.

Catalogamos 20 pontos de referência para reflexões suscitados pela pandemia, considerando o Pentágono adotado pela Bioética da Beira do leito com suas 25 combinações possíveis: Pentágono

  1. Na ausência de vacina específica, a erradicação de uma virose depende do desenvolvimento da imunidade natural;
  2. A preocupação do sistema de saúde com a mistanásia está falando mais alto do que o benefício da imunização natural não contida;
  3. A emergência sanitária da pandemia passou a ser vista magnificada pelas lentes oculares do binóculo do sistema de saúde e as doenças em geral encolheram como se vistas através das lentes objetivas, com inegável potencial de impacto no prognóstico e com os profissionais da saúde tolhidos em seus imperativos de consciência para com seus pacientes;
  4. O percentual de gravidade da Convid-19 é fato natural de uma correlação entre infectividade do agente e reatividade do hospedeiro, mas as resultantes individuais que costumam alinhar-se à ética médica estão dominadas pelo aspecto coletivo e concentrado do uso do sistema da saúde. As desproporções entre necessidades e oportunidades até então “resolvidas” pela organização de filas requerem a dominância do que se constituíam nas exceções para priorização;
  5. A proxêmica do antropólogo Edward T. Hall (1914-2009)- distâncias íntima, pessoal, social e pública- mostrou sua utilidade;
  6. A perspectiva de lidar com critérios de seleção de vagas em UTI  já complexa no dia-a-dia de casos isolados ganhou máxima tensão pela pluralidade cogitada;
  7. O isolamento físico “achata a curva” mas deforma a naturalidade temporal de uma infecção que não dá sinais de redução espontânea do poder de contágio;
  8. Literatura médica é fonte de ideias preventivas/terapêuticas, porém, incertezas clínicas sobre beneficência/não maleficência desaconselham “traduções simultâneas” para o novo cenário;
  9. A ética da responsabilidade alerta que boas intenções podem causar danos e  por isso ela nos adverte que devemos responder não somente pelas intenções, mas também pelas consequências de nossas decisões que possamos prever.
  10. A prudência como preceito ético e virtude precisa travar batalhas recorrentes com o desespero (des-espero);
  11. Merece ênfase a distinção entre indicação (útil e eficaz), não indicação (inútil e ineficaz) e contraindicação (uma indicação porém desaconselhada por alguma razão maior);
  12. O rigor tecnocientífico é inegociável mas não pode fechar os olhos para uma abertura ao desconhecido e ao imprevisível e para a tolerância a opinião contrária;
  13. A heteronomia aplicada pelas autoridades deixa pouco espaço para o direito à autonomia na conexão médico-paciente, evidenciando contraposições entre a liberdade teórica e a não-liberdade prática acentuada por Hannah Arendt (1906-1975);
  14. A ascensão da hidroxicloroquina, fármaco até então do baixo escalão prescritivo, transbordando como informação de expectativa, trouxe uma participação da autonomia na conexão médico-paciente-familiar/preocupação com a responsabilidade profissional, contudo como exigir uma manifestação leiga se o próprio profissional da saúde não tem como esclarecer baseado em evidências (por enquanto) em pesquisas clínicas específicas?;
  15. A alocação de recursos/justiça distributiva se já tinha alta hierarquia entre os principais temas de bioética, agora disparou;
  16. O âmbito da bioética está embutido na maioria das discussões, todavia o termo nunca é mencionado explicitamente;
  17. O mergulho em novas apreciações de valores descobriu a parte submersa da solidariedade;
  18. A sólida argumentação a respeito do presencial no atendimento liquefez-se – teleconsulta, insegurança no ambiente hospitalar (a Covid-19 como um novo tipo de infecção hospitalar mesmo sem internação);
  19. Profissionais da saúde agradecem mas não precisam de aplausos pela dedicação perigosa e proximidade com etiopatogenia de estresse pós-traumático e síndrome de burnout, eles precisam é que o distanciamento físico seja representado por quantidade e qualidade de disponibilidade de equipamentos de proteção individual;
  20. A bioética tem responsabilidade na manutenção de discussões inerentes ao que se passou visando melhor preparo após o Brasil tiver alta da pandemia.

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