A medicina honra a verdade, essência da boa-fé. Busca incessante, missão intelectual e ética de preencher e revisar os preenchimentos de lacunas atrás de lacunas, velhas, novas, recém-identificadas. Em nome da verdade clínica e tecnocientífica o médico obedece ao imperativo de consciência profissional e faz uma recomendação clínica. Não basta, contudo. É preciso aguardar uma resposta sobre a concordância do paciente esclarecido das potencialidades benéficas e maléficas da aplicação. Dois extremos são cogitáveis, que o paciente verbalize um Sim doutor ou um Não doutor.
Consideremos que a decisão do paciente seja um definitivo Não, opção que, em essência, é uma razão do seu direito à autonomia, oportunidade para manifestar voz ativa e presumidamente sincera.
Entende-se que uma negativa destituída de falsidades, expressão legítima de um paciente em dissonância com a orientação médica, é um fato porque está em conformidade com o interior do paciente e uma virtude porque se trata de respeito à verdade do pensamento. É Não autêntico, valor que vale na conexão médico-paciente. Um posicionamento a ser registrado em prontuário do paciente para que perpetue uma memória com conotação moral, ética e legal.
A vivência na beira do leito coleciona situações de manipulação e de dissimulação por pacientes no processo de tomada de decisão. Razão para a preocupação profissional com a autenticidade do Não do paciente, ou seja, com o significado de verdade a respeito do que ele acredita e deseja de fato, fidelidade a si próprio, mesmo que esteja equivocado na avaliação das suas necessidades de saúde segundo a medicina. Não é uma questão de o médico pretender fazer juízos moralizantes sobre o paciente, mas de assegurar, na medida do possível que o paciente não está lidando com mentiras nem para o médico nem para si próprio, lembrando que só mente quem conhece a verdade.
Um desafio para o médico ético na transição entre a prudência que recomenda e o zelo que aplica é cuidar, além da apreciação da capacidade cognitiva do paciente de tomar uma decisão, da avaliação sobre real independência de influências indevidas na verbalização da resposta negativa pelo paciente. Exige compaixão e tolerância, além de maturidade profissional para não se deixar levar para o lado pessoal.