Em tempos de crise, o concreto tem prioridade, porém não deve ser posto em plano secundário que tomadas de decisão num cenário de premência do tempo conjugada à cabeça quente requerem a ponderação do abstrato para traçar as pontes entre necessidades e possibilidades, o que se articula com a Bioética.
Uma doença por vírus está exercendo sujeição mundial a sua virulência. Sucede-se um rolo compressor desafiador da imunidade humana que, em meio ao não bastante saber científico sobre Virologia, coloca um alvo na testa de todos. Uma verdadeira espaçonave alienígena desgarrada na velocidade do ar exalado num espirro e numa tosse que coage a população, provoca proibições anti-sociais, dita providências e comportamentos heterodoxos ao ser humano. Zilhões de vírus, novos hunos que ilustram o sentido-mãe de viralizar apreendido pelas redes sociais. Cerca de oito bilhões de seres humanos de repente cientes da pequenez reativa a um primeiro contato a qualquer momento, receosos de serem cúmplices portadores apavorados. Todos reféns de um diminuto agressor sob a tensa expectativa do benefício de uma tríade de A: a água que leva o vírus para o ralo, o álcool que desarma o poder de agressão do vírus e o ar isento de contaminação da conveniente distância interpessoal.
Se pacientes sofrem cada qual suas próprias morbidades e comorbidades, agora, a insegurança é coletiva. Superou qualquer conceito de hipocondria, o medo de ficar doente associa-se ao medo de ser responsável pela contaminação do próximo. Produziu-se uma forma peculiar de agregação que não é nem pela religião nem pelo nacionalismo. O Homo sapiens unido por sua imunidade, um campo de conhecimento que motivou tantos Prêmios Nobel em Fisiologia ou Medicina, atestado da grande importância do tema: Paul Ehrlich (1854-1915), Elie Metchnikoff (1845-1916), Georges Köhler (1946-1995), César Milstein (1927-2002), James Patrick Allison (nascido em 1948) e Tasuku Honjo (nascido em 1942).
Pelas circunstâncias, a pandemia do novo coronavírus compromete e isola o princípio da autonomia direito de cada um, de quebra o livre-arbítrio. Passou a vigorar um paternalismo para todos os filhos desta terra aplicado por autoridades da Saúde com recomendações que mesmo a contragosto pessoal é melhor cumprir, independente da capacidade cognitiva.
Objetivos de saúde em comum justificam as algemas mentais paternalistas que restringem as mãos vetores de vírus e as tornozeleiras mentais paternalistas que desaconselham o ir e vir contactante. É interessante observar que eventual descumprimento não invalida a noção ética que o imperativo de consciência do sistema de saúde não deixará de atender más consequências das desobediências.