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822- Talvez e bom senso na ética da beira do leito (Parte 2)

Crédito: http://www.latinpopbrasil.com.br/sim-nao-talvez/

A vivência na beira do leito ensina que pacientes crônicos costumam ter mais segurança em tomadas de decisão pelas experiências com dúvidas/arrependimentos nas três fases: pré-tomada de decisão, pré-evolução após a tomada de decisão e pós-evolução.

A incorporação da medicina pelo leigo tal como ela se incorpora ao médico constitui um dos maiores desafios da beira do leito identificada pela Bioética da Beira do leito. É exigente de malabarismos de comunicação com combinações de substantivos, verbos, adjetivos, pronomes, artigos, numerais, preposições, conjunções, interjeições… e advérbios. Costuma haver muitos vieses interpretativos da emissão pela recepção.

O advérbio talvez nunca saiu do radar da beira do leito. Pressinto que persistirá amanhã, depois de amanhã, com muitas variedades, gostos e cheiros. A tendência, inclusive, pelo andar da carruagem que se observa pelas lentes críticas da Bioética, não é na direção do anti-talvez, mas da multiplicação e consolidação de talvezes. Quanto mais recursos, mais expectativas, mais benefícios, mais malefícios, mais apreciações críticas e mais talvezes.

Uma razão para as dúvidas é que a linguagem exata tem suas dificuldades nas ciências não exatas. A vagueza nas palavras ganha naturalidade – os profissionais da saúde rapidamente assimilam e se acostumam- e a medicina contemporânea convive com mudanças de significados em função de novas possibilidades de aplicação que já nascem com incertezas.

Para a questão o diagnóstico precoce é o ideal? A resposta é certamente! Mas, uma coisa é fazer a dosagem anual rotineira de glicemia e outra coisa é se conhecer a perspectiva de desenvolvimento dada pelo genoma. Muito precoce não, por favor! Dirão muitos. Já uma tomografia do abdômen é capaz de identificar o que só era possível numa laparotomia exploradora, mas, e a irradiação? Ela é também invasão danosa. Algoritmos prevêem sucesso de um método terapêutico em 98%, mas, não se pode desconsiderar que o paciente a ser prescrito poderá estar entre os 2% complementares. Fica o desafio: Qual palavra representaria o desaconselhamento a afirmações categóricas sobre a individualidade? Talvez talvez ganhe consenso na beira do leito.   

Leon Tolstoi

Leon Tostói

Bioamigo, puxe pela memória profissional e verá que, refém da experiência, não poderá se imaginar apresentando uma recomendação de conduta ao paciente isenta de alertas sobre indesejados.

Com licença da obviedade e em nome da ênfase, maus resultados não permitem à beira do leito assegurar bons resultados – homenageando Leon Tolstói (1828-1910), as beiras de leito com bons resultados se parecem; as mal sucedidas são cada uma a sua maneira. A beira do leito lida com evidências e não com vidências. Por isso, as manifestações de dúvida pelo médico são atos de sinceridade respeitosos à ética e motivadas por indeterminações, falhas e antagonismos na reciprocidade entre o ser humano e os métodos.

Incursões linguísticas num clima que faz lembrar terrorismo acontecem em certos surtos de medicina defensiva, quase desculpas prévias pelo mal espreitante. Na faculdade, numa época (1962-1967) em que os recursos tecnológicos iniciavam uma inflexão ascendente, os professores com experiência clínica sustentada pelos órgãos dos sentidos incentivavam a zelar pelos sinais patognomônicos, garantia de certeza. Eles foram, contudo, se diluindo na prática e a maioria eencontra-se aposentada por invalidez, ao mesmo tempo em que diagnósticos de alta probabilidade ganharam subdivisões que mantém incertezas.

Viva! Às pesquisas clínicas que lançam bumerangues de dúvidas para a bancada e fazem retornar não inferioridades/superioridades de benefícios/não malefícios para a beira do leito… talvezes promovidos… mas ainda talvezes.

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