A vivência na beira do leito revela o quanto existe de componente irracional na conexão médico-paciente contemporânea e que provoca momentos de admiração, antipatia ou revolta pelo paciente/familiar, apesar da presença do respeito profissional pelas necessidades de saúde do paciente. Fluidos, sentimentos de paciente alinham-se e desalinham-se facilmente com os juízos de razão tecnocientífica do médico.
Uma das ocasiões onde aviva-se o irracional é durante o processo de consentimento livre e esclarecido, o pedágio gerado pelo desejo/preferência/valor/objetivo do paciente e que admite que expectativas da medicina possam ser supostas pelo paciente como desalinhadas aos próprios interesses.
Sentimentos ambíguos podem eclodir quando o paciente se vê diante da responsabilidade de fazer escolhas e autorizar a aplicação que está sendo recomendada sob elevados ideais. O paciente está moral e legalmente livre para optar, mas a liberdade dos vaivens mentais pode se transformar em paralisia do juízo decisório.
O paciente sob excesso de vulnerabilidade pela doença e sob efeito das expansões de pensamentos divergentes por não ser versado no assunto a lidar pode travar a língua que precisa emitir um Sim ou um Não. Fica tanto mais provável quanto mais (opções) significa menos (resolução de indecisão). Também na beira do leito, quando há muito para comparar, enfraquece-se a aptidão decisória.
Há muitos desdobramentos, por exemplo, quando quatro opções terapêuticas aplicáveis são simultaneamente apresentadas para um recém-paciente: uma cirurgia, um procedimento via vascular, uma prescrição de medicamentos ou uma atitude expectante da evolução clínica. Pode-se conjecturar que:
- – A grande quantidade de opções éticas representa indeterminação tecnocientífica;
- – A diversidade das características das opções éticas representa indefinição sobre método mais eficiente;
- – Um sentido de individualidade na realização de potencialidades (cada paciente pode usufruir diferente) se destaca na pluralidade;
- – A real satisfação do paciente pela escolha que fará depende do resultado que ainda é desconhecido;
- – A chance de um arrependimento sobre a escolha cresce com o número de opções;
- – Fatores irracionais acrescem expectativas destituídas do suporte tecnocientífico – por exemplo, operar é sempre mais resolutivo;
- – Eliminar opções indesejadas é uma habitual estratégia de seleção- cirurgia nem pensar;
- – Irracionalidades do paciente alimentam-se da incapacidade de decidir sobre o que poderia ser a melhor opção que, por sua vez, engordam a emotividade na interpretação;
- – Irracionalidades do paciente reforçam-se pela obrigatoriedade de dar alguma resposta decisória;
- Irracionalidades do paciente podem acionar a objeção de consciência do médico- por exemplo para decidir pelo paciente.
A Bioética da Beira do leito entende que o médico quando posiciona seu container de recomendações cabíveis ao lado do paciente e vai tirando seu conteúdo sob uma linguagem idealmente esclarecedora deve estar preparado para que a evitação ética de um clima de excedente de autoridade não traga um paralisante desequilíbrio entre o racional e o emocional na tomada de decisão pelo paciente.