Consultas de primeira vez com suas necessárias extensões foram sempre estimulantes para mim e de certa forma contribuíram mais intensamente para o desenvolvimento do meu profissionalismo. Representam um tempo qualitativo com forte integração entre ética e técnica.
Numa consulta de primeira vez, atendi há pouco ACR, um assustado idoso recém surpreendido pelo diagnóstico de estenose aórtica calcificada em grau dito moderado. O paciente declarou-se assintomático, revelou excelente qualidade de vida e manifestou orgulho com sua vida familiar e profissional, algo como querendo me dizer que era boa gente e não merecia uma doença numa fase de usufruto do construído e recebido. Faz parte das reações a entendimentos de punição do envelhecimento.
Confirmei o diagnóstico e não observei nenhuma particularidade cardiovascular associada que pudesse constituir critério para não recomendar por enquanto conduta clínica observacional. O paciente estava acompanhado da esposa que parecia muito ansiosa, inclusive para repetir que fora ela quem havia sugerido o checkup logo após a festa de bodas de ouro, que tinha a sensação de uma aposta perdida quando soube do sopro cardíaco, então, gerando o encaminhamento.
A identificação de um sopro cardíaco provocava prenúncios sombrios e ameaçava a serenidade do casal. A memória do pai falecido numa cirurgia para eliminar um sopro no coração fazia-se ativa e dava a conotação de a história se repete.
Cabia-me inserir-me no cenário, expor realidades contemporâneas, apontar significados tecnocientíficos, reverter distorções da mente abalada por pesadelos, transformar resistências de adesão e prover a beneficência da medicina em meio às inquietações da comoção diagnóstica. Intenção de flexibilizar a comunicação pela modernidade diante da rigidez da calcificação na valva aórtica pelo envelhecimento, um acontecimento da vida para o médico, assim ele aprende na escola de medicina, mas uma inquietação de morte para o leigo, assim o coração representa atavicamente.