A beira do leito é sala de aula que promove encontro pedagógico entre profissionalismo na saúde e vulnerabilidades do ser humano determinadas pelas realidades e incógnitas da doença. O aprendizado-herança desde as gerações prévias sustentado pelas disciplinas associado ao desenvolvido entre membros da própria geração e proporcionado pela transdisciplinaridade representa prática de inteligência natural de muitos séculos que ganhou expansão vertiginosa nas últimas décadas e ganha previsão de iminente metamorfose na forma, no espaço e no tempo dos atendimentos calcada no alto impacto do domínio da inteligência artificial.
Não sabemos exatamente o que virá. Os consequentes bem e mal da metamorfose na beira do leito dão à Bioética a alta responsabilidade da cooperação para o pensamento crítico que será necessário para escolhas ante ambiguidades das novidades. Uma das inquietudes, para citar uma delas, são as decorrências do aprendizado de máquina para o ser humano, o que aviva o legado de Van Rensselaer Potter (1911-2001), ou seja a Bioética como um depositário da sabedoria que evita desviar do bem social os avanços da ciência e da tecnologia.
O local onde tudo acontece e acontecerá este sentido é a beira do leito de todos os dias. Atarefada, enigmática, complexa. Pela previsão de acentuação destes atributos no curto prazo de uma forma heteronômica, é essencial estar bem entrosado com fundamentos da Bioética acerca da atual integração entre o biótico e o abiótico na área da saúde. Eles serão instrumentos para pensar sobre estabilidade, equilíbrio e autossuficiência da continuidade ética do ecossistema da beira do leito de todos os dias.
Os fundamentos da Bioética são indispensáveis na beira do leito de todos os dias afetada frequentemente pelas desarmonias entre medicina, médico, paciente e familiar- o biótico- e pelos movimentos da tecnologia- os solavancos do abiótico. Haverá novos cotidianos de mal-entendidos, abusos e falências de diálogos cheios de veemência. Vamos nos deparar com realidades que não transparecem no contato direto com as diretrizes clínicas e que exigirão aconselhamentos especialmente atitudinais.
Por mais racionalidade – e efetividade- que possa dominar a beneficência pelo encaminhamento dos algoritmos maravilhosos, a beira do leito de todos os dias persistirá convivendo com a condição humana – ainda Homo sapiens- das infinitas vulnerabilidades ligadas à saúde e sofrendo influências da pós-verdade que hierarquiza crenças e emoções sobre objetividades e da modernidade líquida, fontes de complexidades conflituosas que motivam a vontade contemporânea: Acionem a Bioética!
A expectativa do encontro de caminhos resolutivos dos confrontos em meio á metamorfose do exercício da medicina significa o reforço da Bioética vista como um simplificador. De fato, ela, progressivamente, ganhou fama de caçador-coletor de coerências nas entranhas das complexidades, mesmo as de lata do lixo, aquelas sem nenhuma ordem. Em outras palavras, seus fundamentos contribuem para organizar o pensamento crítico para o complexo que der e vier.
O termo complexo pode ser decodificado como cheio de dobras. Assim, processos resolutivos de complexidades devem ser entendidos como atuações de desdobramentos. A Bioética tem instrumentos para desfazer e assim simplificar com imparcialidade. Melhor ainda, a Bioética capacita-se para prevenir a formação das dobras e os decorrentes vincos marcantes. Cabe-lhe o lema sempre alerta do escotismo. Aliás, inexiste médico ético alheio ao mesmo.
Vai a revelação: mais de duas décadas atuando qual dependente psíquico, usuário, viciado, traficante e produtor de Bioética, tudo junto e misturado, permitem-me afirmar que fazer interligação entre ética, direitos humanos e liberdades fundamentais num contexto clínico e tecnocientífico que a Bioética proporciona não é estabelecer contato com nenhuma cultura alienígena. A Bioética não é estranha ao profissional da saúde, ela ressoa em cada beira do leito de todos os dias em feedback com o profissionalismo.
Não se surpreendam, todos nós praticamos alguma Bioética dia após dia. Apenas, podemos não perceber. Assim, uma clareza sobre fundamentos da posse universal de uma Bioética de todos nós ajudará a qualificar o profissionalismo para novas responsabilidades da metamorfose que já está à porta. Porque as transformações que têm sido antecipadas e que Eric Topol (nascido em 1954) resume como nada será como antes exigirão novas maneiras de enxergar realidades, um Conhece-te a ti mesmo inédito, ou seja, a criação de um eu médico moral, um conteúdo transdisciplinar que ajude a vivenciar, reconsiderar ou reafirmar comprometido com o pensamento crítico em meio às apreensões de uma medicina profunda que precisa conciliar frieza da inteligência artificial e atenção médica com calor humano. Haverá mais de uma interpretação ética, invariavelmente para cada cada circunstância além do tradicional, desejos e direitos ficarão com fronteiras cinzentas, razões suficientes para o interesse numa abrangência e profundidade dos fundamentos orientadores da Bioética de todos nós.