Um ingrediente comum do não consentimento pelo paciente a uma recomendação médica é a falta de alcance acerca das consequências da manutenção da história natural da doença, já em desenvolvimento ou ainda como uma possível consequência de fatores de risco. Cada profissional tem sua dinâmica quando se dispõe a exercer o paternalismo (o brando) pós-não consentimento. A Bioética da Beira do leito sugere que cada profissional desenvolva uma organização mental para o sucesso da comunicação reversora do Não.
A título de ginástica de neurônios, a Bioética da Beira do leito alinhavou a ideia de apresentar as informações num continuum entre os extremos água pura e água saturada em sal. Como se sabe, água em seu estado líquido (representando o doente) e cloreto de sódio (representando a doença) apresentam uma disposição recíproca que, entretanto, sofre influências, por exemplo da temperatura da água, o que significa que o gelo e o vapor d´água não dissolvem o sal.
Na analogia fisiopatológica de como entendemos as doenças, a água libera as ligações do sódio e do cloro e, assim, o sal deixa sua forma sólida e a água adquire sabor salgado. Uma insaturação de momento caminha para a saturação quando persiste o aporte sequente de sal. O esgotamento do poder de dissolução representa a terminalidade da disposição recíproca.
Em suma, podemos mentalizar três tipos de disposição recíproca: a) física- água e sal; b) nosológica- ser humano e doença; c) humana – médico e paciente na beira do leito pós-não consentimento e aplicação do paternalismo (o brando). Enfatize-se que a disposição recíproca subentende a possibilidade de uma sucessão de intermediários desde um ponto de partida até um destino e que pode ser interrompida – no caso de um tratamento.
Assim, para a tentativa de reverter um não consentimento a uma recomendação de prevenção, a sugestão da Bioética da Beira do leito é que o médico aponte para o paciente que o método em questão – mentalizado pela formação de gelo ou vapor vapor d´água- impediria a disposição recíproca água/doente-sal/doença, o que se articula com vacinas, mudanças de hábitos pessoais, uso de fármacos, etc…
Para um não consentimento de natureza terapêutica, a ideia é considerar para o paciente que o caso dele já representa uma água salgada num teor aquém da saturação e que a não realização do tratamento só fará aumentar a quantidade de sal e atingirá o limite de salinidade (risco iminente de morte). O racional da re-explicação sobre a recomendação terapêutica passa pela clarificação sobre a progressão das diluições sem fronteiras muito evidentes entre si – passos-a-passos da história natural da doença de domínio do conhecimento médico e que podem não ser bem percebidos pelo paciente pois não necessariamente mudam a qualidade de vida.
As re-explicações devem, então, procurar conscientizar o paciente hesitante a:
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Todos os dias, uma pitada de sal será acrescida ≡ Inexiste lacunas no continuum da história natural da doença;
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O nível de sal a cada momento de recebimento da pitada é função do nível precedente ≡ A doença progride numa razão predeterminada e individualizada;
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Cada nível de sal é distinto dos demais ≡ Cada momento da história natural tem suas próprias características, muito embora nem sempre clinicamente distinguidas;
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O próximo nível não invalida o nível de sal precedente≡ A progressão da doença é um passo-a-passo cada qual com suas características fisiopatológicas;
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Nenhum nível de sal é mutável com o precedente≡ O passo-a-passo da doença não provoca marcha-a-ré;
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As adjacências de níveis de sal dão consistência à salinidade≡ Há um continuum programado no sentido do agravamento da doença.
Uma aceitação imediata do não consentimento do paciente pelo médico – não aplicação do paternalismo (o brando) afigura-se como manter o cronômetro da história natural da doença ligado que também:
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Acresce um segundo sem lacunas;
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O novo horário é função do precedente;
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Cada horário é distinto dos demais;
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O novo horário não invalida o precedente como marcador de algum acontecimento;
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Nenhum horário é mutável com o precedente;
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As adjacências de horário configuram a evolução do tempo.
O termo poetas malditos transcendeu o significado literal e adquiriu um valor próprio de respeito e admiração e, de certa forma, indica mais um bem do que um mal. A Bioética da Beira do leito enxerga o mesmo para o paternalismo (o brando) frente a um não consentimento do paciente capaz. Uma eventual metamorfose do Não para o Sim fundamentada pela melhor compreensão é uma bendita composição na arte de aplicar ciência!