O caso extremo apresentado em Exageros (Parte 1) sobre realidades e ilusões beira à maluquice. É exagero didático, um tsunami numa poça d´água, uma estratégia do absurdo utilizando uma proposição que não faz sentido na lógica da especialidade. Não faltam entendimentos superficiais via internet que se tornam esperanças para o paciente e favorecem solicitações destituídas de vantagens clínicas para a circunstância.
As atribuições de verdadeiro e de falso pelos interlocutores com grande desnível de conhecimento especializado ilustram a possibilidade de a beira do leito tornar-se uma torre de Babel com uma total desconexão médico-paciente provocada por insensatez de vulnerável- algo até justificável, mas inaceitável.
Evidentemente, o paciente não encontrará nenhum profissional da saúde para lhe dar razão e sem caracterizar autoritarismo e não há porque o médico cogitar se precaver numa instância superior por insegurança ética ou jurídica.
Sob o ponto de vista da Bioética, o caso ilustra uma tensão que ocorre habitualmente entre uma visão de beneficência/bem-estar de modo subjetivo, ou seja, e acordo com desejos, preferências, objetivos e valores individuais e de modo objetivo, um constructo dos objetivos da medicina alinhavado com o que importa de modo geral para proporcionar de fato beneficência/bem-estar. Ademais do não benefício, o procedimento solicitado pelo paciente traz riscos de danos para a sua saúde.
O caso reforça que não indicação de um método diagnóstico, terapêutico ou preventivo bem fundamentada é uma decisão médica que supera o livre arbítrio do paciente. Algo na linha de o paciente poder dizer um Não quando o médico aguarda um Sim, mas não cabe ao paciente insistir num Sim do médico quando há um evidente dever ético com 0 Não.
De fato, evidências tecnocientíficas atualizadas – ou ausência de- devem ser consideradas num patamar acima da vontade leiga infundada do paciente. A não maleficência- segurança biológica- é princípio da Bioética que reforça justificativas da não aplicação de um determinado método por sua inutilidade e ineficácia no caso. Preserva a imortalidade de Hipócrates (460 ac-370 ac) por seu legado primum non nocere.
Um desdobramento moral é o quanto a garantia de liberdade à voz ativa ao paciente não deve prejudicar a sua própria saúde quando ocorre uma não indicação, como um avesso do direito ao (não)consentimento livre e esclarecido a indicações. Conflitos ocorrem e se por um lado, dignidade, consciência e bom-senso são guias oportunos para o médico, por outro, não são fontes de certeza de resolução de ambiguidades. Sempre haverá alguma fresta para uma leitura a mais. Ao gosto da atuação da Bioética.
Destaque-se que certa hipocondria moral tem se associado, ultimamente, à visão de responsabilidade na beira do leito e inquieta a mente do profissional da saúde, ao deixar no ar possibilidades de avaliação externa da conduta do estado da arte como imprudência e/ou negligência.
A Bioética da Beira do leito tem interesse em participar ativamente de medidas para fortalecimento da própria avaliação do médico de estar sendo prudente e zeloso na tomada de decisão com o paciente e bastar-se a si próprio num contexto da integração de duas tríades: a clínica – indicação, não indicação e contraindicação- e a Bioética- beneficência, não maleficência e autonomia.