Porque na medicina contemporânea o desejo do paciente tem alta hierarquia no processo de tomada de decisão, crescem ocasiões onde o médico avança com a sua medicina e o paciente direciona para uma não medicina. Elas ocorrem pela liberdade do paciente ao não consentimento após sua apreciação sobre evidências tecnocientíficas e sob a influência da própria bagagem psicossociocultural.
São situações não majoritárias, mas relevantes, porque o racional que todo clínico persegue é negado de um modo que se faz por ele incontrolável. Frustra! Dá a sensação de prejuízo ao desenvolvimento da atenção às necessidades de saúde, afinal, impede a função do médico. Os conflitos decorrentes podem, então, motivar verborragia, que é o excesso do afastamento do cale–se na beira do leito. Será que há um quantum satis? Antevejo um enigma.
A dosagem de palavras no contexto da conexão médico-paciente depende do caso, de cada dinâmica composição de certezas, incertezas e riscos. Por isso, a beira do leito convive com diferentes sonoridades- o que é sempre melhor do que mudez. As diversidades exigem o profissionalismo da comunicação. Mas, o médico não é tão somente um amador neste mister?
Na beira do leito, ao contrário do ditado popular, falar vale mais do que calar. O uso contemporâneo de aplicativo de mensagens ampliou o uso para muito além da distância presencial, atingiu a distância eletrônica. O sem limites para o contato tornou ofensivo um cale-se no aplicativo. Mais uma evidência que cale-se na beira do leito está fadado a vazio. A única exceção está no sigilo profissional.
Entrei na Faculdade de Medicina com 18 anos de idade e fui diplomado no exato dia em que completei 24 anos. É período da vida que costuma ser de amplo aprendizado sobre as formas simbólicas embutidas nas palavras. Precisei ajustar ao racionalismo da tecnociência. Tarefa árdua, pois o jargão a que a medicina obriga é cheio de dobras e, como já se disse, traduções- para o paciente- trazem sempre o risco das traições. A indefectível letra de médico é creditada a uma necessidade de confinamento do conhecimento, e hoje, o prontuário eletrônico determinou a clareza. De modo análogo, o mediquês de outrora cede espaço para a boa intercomunicação médico-paciente, inclusive, pelos efeitos da internet.
Na beira do leito, fui progressivamente entendendo a diferença entre comunicação e comunicado. Não tive uma disciplina de comunicação na Faculdade, mas recebi uma série de instruções sobre habilidades no emitir e receber informações para o processo de tomada de decisão. Mestres fizeram-me perceber que médico – para bem recomendar- precisa conhecer o momento para falar, o momento para ouvir e o momento do silêncio. São exigências da integração da tecnociência a ser aplicada – que surge num formato de recomendação semipronta – com o caráter humano da conexão médico-paciente, passível de ajustes.
Dois vocábulos se destacam como síntese do que está sendo construindo e reconstruindo no processo de tomada de decisão. São apenas três letras com um forte fundo algorítmico: Sim e Não. Uma exatidão na comunicação que não necessariamente vem isenta de vieses na emissão, por exemplo, para evitar danos ou para forçar uma realização.
O tempo incutiu-me uma interrogação: Sim ou Não está decidindo para quem? Para o médico? Para o paciente? Para ambos? Para nenhum destes? A pergunta faz-se necessária para qualificar um atendimento de saúde sob o ângulo social.
A sucessão de métodos beneficentes que vai surgindo, ao mesmo tempo que entusiasma a assistência, preocupa pelas adversidades, enquanto que, da mesma forma, justificativas do investigador de pesquisa podem trazer inquietudes com desníveis acentuados com os interesses do voluntário. A Bioética preocupa-se!