A sensação é de inacabada! Por isso, o valor do processo criativo na medicina. O profissionalismo do médico admite, portanto, a condição de permanente recondução da pedra tal qual Sísifo. Todavia, de modo peculiar, o cume se torna cada vez mais acima. Numa carona com Richard Bach (nascido em 1936) a bordo de Fernão Capelo Gaivota: Se o destino é o infinito, o caminho é nas alturas! Uma trilha de beira-leitos percorrida ininterruptamente da formatura à aposentadoria.
Assim, creio que é pertinente agregar a coragem ao notório kit da letra C de sobrevivência profissional do médico à beira do leito formado por caneta, carimbo, celular e computador. A coragem, haja vista que se origina no nosso interior, é vigoroso alicerce nos momentos de estar médico. Ela é essencial para cumprir os compromissos de acolher, tomar decisões e se responsabilizar. É muita coisa, especialmente ante probabilidades e incertezas.
A coragem mais reconhecida é a física, porém as expressões do exercício da medicina ganham valor e dignidade pela reunião de outras modalidades de coragem, a social, a moral e a criativa. Podemos reuni-las na beira do leito como coragem integrativa.
Revejo o livro A Coragem de Criar (1975) de Rollo Reece May (1909-1994) e reforço que coragem não é não ter medo, é prosseguir apesar de temores e angústias. Faz sentido na beira do leito, pois o médico não pode ser apático profissionalmente ante os inevitáveis riscos das (não)realizações e as imprevisibilidades da profissão. Conscientizo-me que coragem integrativa permeava os ensinamentos dos mestres que mais me influenciaram. Espero ter sido elo para ter mantido a corrente para aqueles a quem pude transmitir algum ensinamento.
Social é a coragem que investe numa entrega crescente para um relacionamento coletivo. Coragem moral sustenta a compaixão ante a percepção do sofrimento do paciente, guia o envolvimento, estimula a correção de equívocos, enfim, faz o sentido de verdade como ponto de referência da atuação profissional. Já a coragem criativa facilita ao médico trabalhar com o paradoxo de ter de se comprometer por completo, e, simultaneamente, não poder deixar de temer que pode estar cometendo algum erro.