Logo entrará em vigor o novo Código de Ética Médica, cumprido o prazo de 180 dias desde a sua publicação no Diário Oficial da União em 1 de novembro de 2018. Há cerca de uma centena de artigos com o caput É vedado ao médico.
Simplisticamente, a transgressão pelo médico ao proibido é infração ética passível de punição. Evidentemente, há descumprimentos perdoáveis, há infrações censuráveis e há violações intoleráveis.
Acontece que a beira do leito é muito mais complexa do que o reducionismo de textos, ela convive com a diversidade do ser humano e sofre forte influência de construções socioculturas, constructos imaginados, verdades líquidas e tecnologia natural humana e artificial.
A interpretação circunstancial das relações intervenientes precisa predominar sobre a literalidade do palavreado deontológico. Proibir não significa certeza de evitar a execução do proibido, a consciência aliada à responsabilidade profissional deve prevalecer para desmotivar a transgressão.
Reitero que sou hostil ao caput É vedado ao médico, inaugurado no Código de Ética Médica da Associação Médica Brasileira que vigorou de 1953 a 1965. No Código de Deontologia Médica precedente de 1945 o termo utilizado foi É dever do médico. Portanto, pode-se afirmar que a totalidade dos médicos brasileiros atuantes conheceu as normas éticas pelo avesso- jovem não seja negligente.
Entendo que É vedado ao médico está desalinhado com o espírito humano da Bioética, vale dizer, é uma projeção negativa na lógica de atenção às necessidades de saúde na beira do leito. Parece-me excesso de tutela. Pressupõe que há forte inclinação para o mau comportamento ético. Afastamento do indevido não pelo respeito a outra pessoa, mas pelo risco de ser castigado.
Preferiria que as normas sejam entendidas pelos jovens que ingressam na profissão como referências morais, ou seja, sejam divulgadas e absorvidas como Cumpre ao médico. Que se conjugue ao interior prestativo que já direcionou para o estudo da medicina, sem nenhuma conotação impositiva, no máximo pedagógica.
Cada vez mais o progresso coloca crescentes contraposições a sustentações de métodos aplicáveis diagnósticos, terapêuticos e preventivos, de modo que é conveniente evitar a apreciação pelo nocivo (negligência, imprudência, imperícia), o foco deve ser no louvável (zelo, prudência, perícia) face ao confronto. O médico ter sido prudente tem um sentido muito mais individualizado do que não ter sido imprudente em determinado comportamento.
A ideia- aprendida nos bancos escolares- é promover o acerto em meio a incertezas e probabilidades, não propriamente, livrar-se de denunciações de infração. Entendo que preenche melhor o humanismo da relação médico-paciente.
Os sentidos do diagnóstico, terapêutica e prognóstico devem ser convergentes em propósitos e realizações, visando a melhor qualidade de vida e a sobrevida digna. O princípio da não maleficência é essencial na apreciação da segurança biológica, mas é segundo plano em relação ao princípio da beneficência. Assim o caput É vedado ao médico soa como é proibido utilizar-se mal da medicina, que o médico seja um agente beneficente e não seja instrumento de males desnecessários. Vinte e seis séculos já devem ter provocado muitas mutações nos genes de médico desde Hipócrates para livrar-se da ideia de carência de recursos que se preocupa com a possibilidade de disparates.
Já a Bioética da beira do leito entende que o médico guarda dentro de si o imperativo moral do empenho direcionado à perspectiva do sucesso em sua máxima possibilidade face às circunstâncias clínicas, disponibilidade de recursos e desejos e valores do paciente.
Creio que qualquer conotação conceitual de niilismo sujeita ao É vedado ao médico não cabe na consciência do médico na beira do leito. No século XX houve a conduta heroica do desespero em dar uma chance, atualmente, a eventual dominância de futilidade quanto a métodos conceitualmente úteis está amparada por paliação e por comportamentos compassivos.
A ascensão do princípio da autonomia com sua relevante expressão no consentimento do paciente de certa forma trouxe um reforço para a inconveniência do caput É vedado ao médico. De fato, há potencial de choque entre a heteronomia deontológica da proibição e a determinação de vontade (autonômica) do paciente.
O artigo 31- É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte do Código de Ética Médica 2018 não dá segurança ética pela força do artigo subsequente: Art. 32- É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção , diagnóstico e tratamento de doenças , cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Assim, o artigo 31 soa mais como um lembrete de comportamento, porém destituído da pedagogia frente ao não consentimento. Haverá necessidade de uma apreciação sustentada pela Bioética.