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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

583- Autonomia mais um pouquinho

Pois é Residente, o princípio da autonomia dá voz ativa ao paciente no processo de tomada de decisão sobre suas necessidades de saúde. É uma conquista da sociedade, quando eu era recém-formado – há algumas décadas-, o médico decidia e o paciente simplesmente cumpria, muitas vezes sem saber o que iria acontecer com ele.

Hoje, a participação direta e ativa na decisão é um direito do paciente consignado em leis e normas éticas. A custódia, entretanto, está com o médico que tem que se dispor a integrar o paciente no processo de tomada de decisão. Em termos práticos, o médico organiza as eventuais opções úteis e eficazes validadas para o caso, ou seja, compõe uma conduta Recomendável.

A seguir, o médico passa pelo filtro da segurança em que leva em consideração individualidades do paciente que possam tornar a conduta recomendável danosa ao paciente- alergia grave por exemplo, insuficiência renal, etc…- e aí temos a conduta Aplicável.

O próximo passo é a obtenção da  conduta Consentida, ou seja, a obtenção da expressão  da autonomia na figura do consentimento  pelo paciente. O consentimento subentende que o paciente está cognitivamente capaz de tomar decisões, caso contrário, o consentimento deverá ser efetuado por um representante indicado – ou legal no caso de menor de idade.

Este consentimento tem algumas características a serem respeitadas. A primeira delas é que seja livre, ou seja, o paciente não pode estar sob coerção ou sob algum grau de proibição para se manifestar de acordo com seus desejos, preferências, valores e objetivos. Entretanto,  a sua condição de leigo, com habitual desnível de conhecimento tecnocientífico em relação ao médico, exige que ele seja informado dos fundamentos da recomendação diagnóstica, terapêutica ou preventiva e seus desdobramentos de perspectivas benéficas e maléficas, aliás, mais do que informado, o paciente precisa ser esclarecido, precisa compreender, o que exige  uma comunicação eficiente, seleção de palavras compreensíveis, e tempo para o diálogo.

Ademais, qualquer consentimento pode necessitar de renovações quando outras circunstâncias advirem e pode ser revogável, pois o prazo de validade da autorização varia inclusive com o tipo de conduta, com a especialidade, por exemplo; o paciente pode revogar o consentimento para  se manter internado para receber doses de antibiótico parenteral, solicitar alta a pedido,  mas seria quase que impossível numa situação pós-operatória de alta complexidade, cheio de drenos, sondas, etc…

Assim, o respeito pelo médico ao direito à autonomia do paciente alinha-se à virtude da prudência que é um dos fundamentos pétreos da ética médica; seria imprudência aplicar uma conduta sem o consentimento do paciente. O que se observa na prática é que não é incomum haver um não consentimento momentâneo, provisório enquanto o paciente não está preparado para absorver a informação sobre a recomendação e, assim, hesita, diz não, mas, após algum tempo, após pensar melhor, após ouvir uma segunda opinião, passa a consentir .

Por isso, a questão do consentimento não pode ser burocratizada- o senhor não aceita, OK, registrarei no prontuário… o próximo- , ou seja, cabe perante um não consentimento imediato, a aplicação do paternalismo fraco, insistir sem coerção, re-explicar, dar um tempo. Porque o ser humano é gregário, a chamada autonomia de relação  predomina sobre a autonomia pessoal. É mais raro aquele paciente que reage a uma recomendação  médica sem nenhuma influência externa, até porque não está acostumado a esta situação- na verdade os pacientes crônicos tendem a ser mais autenticamente autônomos pois carregam  a memória de acontecimentos semelhantes, já são “experientes” sobre o que  é útil para eles.

Assim, na maioria das vezes haverá influência de circunstantes, haverá dificuldades em assumir – ele próprio- a responsabilidade de dizer um sim. Sem dúvida, a hierarquia decisória é do paciente, mas não devemos desvalorizar  principalmente os familiares. Família é complexa, está longe de ser homogênea, cada estrutura familiar é de um jeito, especialmente  com paciente idoso, há os interessados no bem  do paciente, mas não descartamos alguns interessados nos bens do paciente… E muitas vezes o médico fica num fogo cruzado.

O que deve ser evitado é  certa aliança com quem fica do lado do médico, o médico precisa ficar à margem  das contraposições da família, apenas preocupar-se em esclarecer, e se for o caso sugerir que a família tome uma decisão e nomeie um porta-voz para revelar o decidido quando de fato houver impossibilidades de resposta do paciente.  Uma situação que a experiência na beira do leito vai desenvolvendo o tato, a diplomacia. Especialmente quando  familiares insistem para não revelar diagnósticos para o paciente com receio de causar  uma emoção acentuada, mas, habitualmente, os danos de não falar são maiores do que se observa quando se fala, pois, perante a má notícia o paciente tem a oportunidade de tomar certas atitudes da vida pessoal.

Um aspecto  importante  é quando prevalece o não consentimento pelo paciente e o médico,  que não foi treinado para não fazer se sente como aquele que está prestes a trocar a lâmpada e lhe tiram a escada. Muitos preocupam-se porque não podem aplicar conduta e assim seriam interpretados como negligentes ou imprudentes profissionalmente. Por isso, a importância do registro em prontuário.

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