Primeiro de abril (origem atribuída ao século XVI), nariz dinâmico do Pinóquio (criado em 1883 por Carlo Lorenzini, 1826-1890) e recomendação dos pais que é feio falar mentira (não datável). É tríade que se mostra indelével em nossa cultura através dos tempos e que faz já na infância travar contato com o sentido moral da mentira.
Mas, mentiras acontecem a todo instante e não faltam mentirosos contumazes. Há os “caprichosos” que descobriram que é preciso ter boa memória para ser bom mentiroso e, assim, distanciarem-se das pernas curtas da mentira. Há os “didáticos” que advertem que só mente quem conhece a verdade, querendo dizer que podemos falar inverdades por boa fé, por crer realmente. Há a inevitável associação à ironia do “jamais diga uma mentira que não possa provar” dita por Millor Fernandes (1923-1912). Há os pensadores que encontram inspiração em aspectos científicos, como na física quântica, exemplo do Premio Nobel 1922 de Física Niels Henrick David Bohr (1885-1962) que afirmou que “o oposto de uma afirmação correta é uma afirmação falsa, mas o oposto de uma verdade profunda pode ser outra verdade profunda“. Há o estímulo da contrapartida ao pensamento, como a formação da ideia que, então, “o oposto de uma mentira profunda pode ser outra mentira profunda“. Faz supor que uma afirmação correta pode se articular com uma mentira, ou seja, fatos verídicos podem ser envolvidos por interpretações mentirosas, uma variante da indagação atualíssima Fato ou Fake? A beira do leito tem inúmeras vivências neste contexto.
Fato ou fake popularizou-se em 2018 dando sequência à post-truth (pós-verdade), palavra do ano de 2016. Fato ou fake e pós-verdade podem ser consideradas interligadas na beira do leito que testemunha exigências não autorizadas de condutas que o paciente faz baseado mais em crenças e no emocional reativo do que na objetividade da Medicina.
O modo que se utiliza a dualidade Fato ou fake determina que qualquer declaração seja maniqueisticamente alocada como verdade ou mentira. A beira do leito requer prudência nesta rigidez dicotômica, especialmente quando se sabe que aplicar ou não aplicar o útil e eficaz depende na maioria dos casos do consentimento ou não do paciente. Realmente, pode-se afirmar que muitos não consentimentos de pacientes ocorrem pela combinação pós-verdade-interpretação de fake que os redireciona para acolher ficções e fantasias mais amigáveis com os desejos para cuidados com seus fatos clínicos.
Já no viés do médico, a suposição de um protagonismo sustentado por “achologia” fez eclodir uma “cientificista” Medicina baseada em evidências com o intuito de preservar a racionalidade da verdade em Medicina de fato validável, muito embora passível do provisório como uma verdade de plantão ou de um modismo atrelado à síndrome do último artigo publicado. É de se destacar que a Medicina baseada em evidências provoca restrições à liberdade de expressão do profissionalismo em ciência e por isso, deve ser entendida como (orientadora) bússola, não como (limitadora) algema para as mãos do médico. Vale perceber que a ausência de evidências – positivas ou negativas- por carência de pesquisa clínica não autoriza apor etiquetas de fake a condutas sustentadas pela experiência e pelo bom senso, até porque é fácil constatar que o nível C de probabilidade de certeza sustentado por opinião de especialista associado à experiência clínica predomina na maioria das diretrizes clínicas.
Acontece com frequência neste contexto pacientes contestarem a sinceridade do médico enveredando pelo conceito da imunização cognitiva, ou seja, blindam a atenção e a recepção a contraposições. É comportamento energizado por pensamentos do tipo “onde há fumaça há fogo” e por desmentidos acusatórios de o médico estar a serviço de ganhos secundários e conflitos de interesse. Não é incomum ouvir que “… o médico indicou apenas por seus interesses…”. Um contingente de procura por segunda opinião assim decorrem.
A subsidiária do universo da fake news vinculada mais à interpretação do que aos fatos em si – na beira do leito fatos e dados costumam estar de mãos dadas- e que interessa à ética médica é razão para a máxima cautela em relação ao que se pode denominar de “médico do dia seguinte”. Explico: uma notícia verdadeira – um mau atendimento no sistema de saúde, uma má evolução clínica- é veiculada na mídia sob a manchete “Mais um caso de erro médico” sem nenhuma sustentação objetiva desta presumida causa, vale dizer, uma avaliação crítica sobre os vários componentes profissionais e circunstanciais porventura envolvidos; aí, a partir do fato, determinado médico (o do dia seguinte) comenta sem nenhuma vivência do caso em si. Em geral, o comentário presta um desserviço à classe médica e à sociedade em geral, pois não costuma se restringir a aspectos conceituais sobre doença, manifestação clínica ou método terapêutico. Ao fazer juízos de valor, certas interpretações, conjecturas são lidas pelo leigo como insinuações de reforço da manchete acusatória ou, caso contrário, de defesa corporativista.
Assim, na beira do leito, a expressão fake news não deve ser entendida tão somente como ausência de fato verídico, mas o conceito estende-se para a significação de sinceridade no acolhimento, pois certas tendenciosidades fazem com que a realidade seja má direcionada com desrespeito a preceitos éticos, morais ou legais. Cada bioamigo pode, certamente, rememorar vários exemplos que testemunhou ao longo da sua carreira.
A Bioética da beira do leito interessa-se pelas vertentes de fake news que frequentam a beira do leito. Ela tem o potencial de ajudar a discriminar entre verdade e mentira e orientar o manejo. Como se sabe, na relação médico-paciente qualquer referência ao termo mentira é forte, fortíssimo mesmo, arriscada a provocar sentimentos de desrespeito e ofensa, especialmente se voltado para o “paciente-vítima”. São daquelas situações cinzentas da ética médica que suscitam reflexões sobre o quantum de integração faz-se necessário entre os sentidos de ser médico, estar médico e fazer-se médico. Fica claro que por mais rigor tecnocientífico que possa ser empregado para basear uma tomada de decisão em Medicina sempre plena de complexidades haverá sempre espaço para enigmáticas suposições e contraposições. Envolvem liberdades que dificultam separar o joio (mentira) do trigo (verdade), especialmente, quando surgem xifópagos.