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517- Selfie meu, selfie meu

Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais belo (a) do que eu? Esta preocupação eternizada em Contos Maravilhosos (Branca de Neve os sete anões dos irmãos Grimm),  migrou para o cotidiano da captação de selfies pelo uso de smartphones, como Selfie meu, selfie, tenho que parecer mais belo (a). O smartphone como espelho mágico que tudo capta e registra, quer para o bem, quer para o mal.

A aspiração tem provocado impulsos humanos por correção dos “erros constitucionais” e, assim, reforça o já congestionado contingente de “problemas” da vida moderna que embora não sejam disfunções ou incapacidades, têm passado a representar patologias médicas.

A ansiedade decorrente acentua a surpreendente situação de ter havido redução das taxas de mortalidade e aumento da expectativa de vida e, ao mesmo tempo, elevação do número de avaliações de não-saúde pela sociedade em geral. Insere-se numa via final de procura por medicalização da vida. Certamente, mais ilhas no arquipélago médico  sob várias influências da sociedade contemporânea – mídia, redes sociais-, provocando olhares enviesados sobre os objetivos da Medicina e, em decorrência, incessantes desafios à consciência profissional do médico ético.

Refiro-me, especificamente, neste momento, ao denominado Snapchat Dysforia.  É a denominação estrangeira de uma insatisfação com o próprio visual percebido num selfie e que motiva a procura de um cirurgião plástico e/ou de um dermatologista para solicitar imediata “correção” estética https://jamanetwork.com/journals/jamafacialplasticsurgery/article-abstract/2688763.

É verdadeira procura por um “photoshop” presencial e reparador das imperfeições conjecturadas. É produto de excessiva idealização da própria imagem -supervalorização de padrões de beleza. É reflexo de insegurança e baixa estima e pode fazer parte do espectro obsessivo-compulsivo. Portanto, acaba por vir a merecer atenção médica sobre as origens da sensação de disforia.

Considerando que a conceituação contemporânea de doença inclui uma disfunção explicável por uma natureza psicológica que causa sofrimento e que está além do controle consciente direto da pessoa, a Bioética da Beira do leito considera que as peculiaridades do Snapchat  Dysphoria fornecem excelentes subsídios para reflexões sobre a tríade principialista beneficência- não maleficência-autonomia.

De fato, a utilidade das eventuais medidas “reparadoras” em prol de simetrias nasais e faciais para o paciente em questão com riscos relativamente baixos de adversidades intercorrentes associadas aos métodos utilizados está intimamente alinhada com o desejo por melhor aceitação social, a preferência por um padrão “em manada”, o objetivo de melhora da autoestima, e o valor entendido como qualidade de vida.

Por outro lado, é justificável que o médico hierarquize o desejo estético do paciente como “sintoma”. Assim sendo, ele pode concluir pela recomendação de apoio psicológico e farmacológico (inibidor da reutilização da serotonina), a  procura pela aceitação da identidade “natural”, não o uso de um bisturi modelador de uma “artificialidade”. O manejo desta contraposição do predomínio do interesse pelo “lado de fora” e o “lado de dentro” da cabeça do paciente tem chances de se constituir em conflitos da relação médico-paciente no âmbito da interpretação do binômio beneficência-autonomia que requerem assessoria da Bioética.

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