A beira do leito contemporânea cruza os domínios da ética com os da bioética e é sensível ao processo do consentimento livre e esclarecido do paciente à submissão ao saber da ciência e a estratégias de conduta do médico perante circunstâncias clínicas. Há um desejável poder do paciente de participação ativa nas tomadas de decisão sobre a sua própria saúde, uma admissível rejeição à inibição do eu por uma Medicina disciplinadora. Acontece quer dialogando com o médico, inclusive em busca de ajustes de conduta (compartilhamento), quer, exercendo o arbítrio do não cumprimento sem interação com o mesmo (a figura do “rasgar a receita”, a hierarquização da bula do medicamento, o sobressair o prazer ao risco).
Neste contexto, ocorre uma forma de não consentimento que pode ser nomeada como não vontade. Retrata não se submeter e persistir como está sem elucubrações. É o caso do paciente que recebe uma recomendação ambulatorial para um procedimento e não retorna por “ter decidido não decidir”.
Este paciente não revela discordância do grau de benefício presumido ou preocupação a respeito de adversidades cogitadas. Simplesmente, vai para casa, pula etapas do pensamento crítico, ignora e não cumpre. O imperativo ético da orientação, explicação e disposição para o diálogo pelo médico resulta num conhecimento pelo paciente que não será elaborado conscientemente sobre prós e contras, fica à margem da consciência, escamoteada na memória.
É aquele paciente que costuma se apegar a alguma parte da consulta, por exemplo, a da ausência de maior gravidade no momento, desnecessidade de providências urgentes ou o aliviador afastamento de um diagnóstico que temia. Ele, assim, se dá por satisfeito, por ora. Desta forma, sem exatamente fazer um juízo de contraposição da validade conceitual do que ouviu, ele volta a sua rotina desvalorizando eventuais potencialidades mórbidas reconhecidas pelo médico. Meramente, o paciente não firma vontade de ser “conduzido pela conduta” do médico. Ele não toma nenhuma iniciativa para seguir o conselho, por exemplo, para usar o Cpap (Continuous Positive Airway Pressure) para controle da apneia do sono, ou para marcar um exame de imagem que poderá provocar desdobramentos diagnósticos e terapêuticos “ameaçadores”.
Trata-se de modalidade de não consentimento do paciente que apesar da convergência com a opinião do médico sobre a conveniência biológica da estratégia, diverge no efetivo encaminhamento. O paciente não deseja, não se movimenta, portanto, não reage com vontade de usufruir de métodos da Medicina. Pelo menos, por enquanto.