É impressionante a frequência de situações de dúvidas de atitude na beira do leito que eclodem diariamente. Desde as mais simples às mais complexas, a interpretação dos artigos de Código de Ética Médica não dá sustentação sólida para a escolha de palavras e gestos.
Trata-se, comumente, de uma individualidade com componentes muito próprios, circunstanciais, de natureza prática, que precisa ser articulada com conceitos e normas voltadas para o coletivo. Pareceres e resoluções procuram fornecer respostas e criar uma biblioteca orientadora.
Em meio a tanto progresso tecnocientífico, a tantos derivativos eletrônicos, a designação relação médico-paciente torna-se muita vaga e necessita ser cada vez mais enquadrar-se numa realidade de encontro médico-paciente, conexão médico-paciente, interpessoal médico-paciente.
Não se trata de um jogo de palavras, é expressão do ser humano no lugar específico que lhe cabe, quer como médico, quer como paciente, em conformidade com as boas práticas. O que acontece é que a figura da beira do leito como ponto de confluência entre médico e paciente criou algumas asas tecnológicas.
Historicamente, a definição de boas práticas admite e requer ajustes à medida que surgem as chamadas facilidades. Neste contexto, é de interesse da Bioética que estamos em plena vivência de uma prontificação da relação médico-paciente, vale dizer, fomos sutilmente levados a aplicar certas modernidades tecnológicas no decurso dos atendimentos para estabelecer encontros, conexões e um modo interpessoal em nome da agilidade e praticidade. É importante verificar o quanto a economia de tempo em relação ao presencial tradicional está em conformidade com uma admissibilidade ética, ou seja, não há comprometimento da prudência, zelo e sigilo profissional.
Vou exemplificar com o caso do paciente CLS, 70 anos. Examinei-o numa consulta formal, cheguei a uma hipótese diagnóstica muito provável, esclareci sobre diagnóstico, tratamento e prognóstico, prescrevi dois medicamentos, fiz esclarecimentos, cumpri um diálogo curto, solicitei exames complementares e procedeu-se ao cadastro do seu número de celular. Nas três semanas seguintes em nenhum dia estive pessoalmente com o paciente, porém, estive “ao lado dele” de modo permanente, virtual em espaços da internet. Só da internet, em nenhum momento via telefone, aliás, a interlocução que até há pouco preferia, até ser “cooptado” pelo que foi acontecendo via internet.
O paciente passou o login e a senha do Hospital para a secretária do consultório e, uma vez captados via e.mail, analisei os exames complementares, inclusive com a comparação com resultados prévios organizados em única folha. Enviei uma mensagem ao paciente comentando os resultados e reforçando a conduta. Nos dias seguintes, fui sendo informado da evolução clínica por meio do WhatsApp e alguns pequenos ajustes posológicos foram realizados. Alguma razão para críticas? Nenhuma!
O sigilo esteve preservado na troca de mensagens, a não ser que alguém muito interessado nas informações e capacitado tecnicamente fizesse alguma ação de hacker, o que, evidentemente, é tão somente uma consideração teórica que não invalida o uso sob a garantia de privacidade dos dois interlocutores.
O teor da troca de mensagens esteve conciso e compreensível, num quantum satis, pois a redação permite um timing de maior clareza em relação à oralidade do telefone, é mais filtrada pela prudência e pode ser relida.
A escrita teve a conotação de prontuário, comporta-se como uma fidelíssima documentação do dito e não dito.
O meio disponível a qualquer momento fortalece a sensação de segurança por parte do paciente e de acolhimento por parte do médico. Abusos são possíveis e podem reduzir o entusiasmo do médico pela maior exposição, contudo, eles não devem obscurecer as vantagens do uso. O mau uso, os excessos, os desvios de função podem ser objeto de uma atuação educativa.
A prontificação da relação médico-paciente que proporciona a concepção de conexão, encontro e interpessoal é uma realidade contemporânea que a Bioética da Beira do leito entende vantajosa, mas, exige ajustes de pensamentos do médico sobre distribuição do seu tempo profissional cotidiano.