O termo tensão é amplamente aplicável a situações de estresse na relação médico-paciente. Ele significa que ocorre um grau de diferença entre pontos de vista, um nível de resistência a uma proposição uma resultante de olhares divergentes num processo de tomada de decisão. É ocorrência habitual, aliás, cada vez mais.
Muito embora tensão provoque manifestações de ansiedade, ela é, na maior parte das vezes, daquelas coisas boas sofridas, pois tem o dom de contribuir para a humanização das ciências da saúde, vale dizer, alerta para a legitimidade da concepção que cada benefício disponível na Medicina precisa vir a ser compatibilizado com as expressões da diversidade da condição humana.
Quanto mais corriqueiro for o envolvimento com a tensão na relação médico-paciente, mais ela reflete um mergulhar nos meandros de conflitos e, em decorrência, maior possibilidade de ajustes conciliatórios pré-aplicação da conduta e de evitação de confrontos pós-aplicação.
O médico que está acostumado a ter seu espaço de trabalho preenchido por casos complexos, frequentemente, se vê perguntando se está tudo esclarecido, numa medida do possível, para si e para o paciente, pois é a tensão invariavelmente gerada que sugestiona a uma atmosfera de vais-e-vens de pensamentos nômades.
Assim, a beira do leito que costuma incluir um número expressivo de casos de alta voltagem constitui laboratório para que tensões sejam resolvidas pela partes, boas ou más resoluções passíveis de críticas pela promoção de deformidades de natureza ética e/ou legal.
A necessidade de manejo com esmero humano da tensão na relação médico-paciente é comportamento absolutamente previsível pelos fundamentos da sociologia e da antropologia, mas, uma grande proporção permaneceu historicamente adormecida pelas expressões de paternalismo do médico, sua autoridade baseada num saber hermético e ligado à vida e à morte, ao conforto e ao sofrimento, como que suspensa entre duas culturas, uma como arauto de caminhos e outra sem palavra ativa e, que, atualmente, despertou como direitos de cidadania.
É cenário da contemporaneidade da beira do leito que convoca a Bioética a participar visando a acordos que relaxam tensões instrumentados por saberes transdisciplinares e disposições multiprofissionais, afinal, as ciências e as técnicas desenvolvidas pelo ser humano devem a ele retornar em vantagens, não há porque ser diferente em propósitos na área da saúde.
Observa-se uma solidificação da consciência profissional e leiga vigente na beira do leito afinada com a Ética Médica que a relação médico-paciente não pode prescindir do binômio Autonomia-Consentimento. A dupla de alta expressão do humanismo habita a beira do leito e qualquer iniciativa de a constranger representa violação grave a fundamentos deontológicos, sensibilidade ética e racionalidade moral.
Por isso, é essencial que o médico com número de CRM ativo se preocupe em submergir nas profundezas deste tema verdadeiro iceberg, que ele não se restrinja à parte visível, pois ela é insuficiente para uma real compreensão das adaptações que cada caso suscita para a busca e o encontro da harmonia possível entre o poder da ciência que beneficia porém com chances de danos e o direito a desejos, preferências, objetivos e valores do paciente, porém com chances de perda do usufruto.
O mergulho – tanto mais produtivo quanto mais assessorado pela Bioética- permite observar e compreender as submergidas interfaces entre autonomia e paternalismo fraco e entre consentimento de fato autonômico e consentimento da pessoa que subentende influência de circunstantes, como familiar, amigo, outro paciente. Uma assimilação capital para a autenticidade da prudência e do zelo.
Um maniqueísmo -filósofo Manes, século III- entre autonomia e paternalismo em sua expressão fraca é prejudicial, tange o burocrático, pois, o mundo real da beira do leito indica que há um contingente de pacientes inseguros em suas posições no processo de tomada de decisão e que, em função de desinformação, medo e circunstâncias sócio-econômicas, reagem com um precário não consentimento à recomendação do médico.
A vivência com a época da transição do paternalismo para a autonomia – poucas décadas atrás- mostrou que a aplicação de um reforço dos esclarecimentos pelo médico, a generosa iniciativa do mesmo para entender a surpreendente reação negativa do paciente, a disponibilização de mais tempo para a análise de prós e contras pelo paciente, provêm chances de mudanças para o consentimento, que persiste livre pois não é instado por algum tipo de coerção (seria, então, paternalismo forte), mas sim de conscientização sobre caminhos do prognóstico. É a aplicação do paternalismo fraco em sua interface dinâmica – e humana- com a autonomia, que contribui para o seu afastamento de uma conotação retórica.
Ademais, a experiência na beira do leito sob o olhar da Bioética evidencia que o paciente não necessariamente decide por um sim ou um não sozinho. O auto da sua autonomia, afora impactado por analogias e por imaginação, é habitualmente modulado por opiniões de circunstantes com mais ou menos influência na decisão. É folclórico o palpite das comadres e o que se pode verificar é que o paciente no processo de tomada de decisão dialoga com familiar, amigo ou mesmo outro paciente já vivido na situação. Razão para que passemos a entender o seu consentimento não como de fato autonômico, mas sim da pessoa, do ser humano gregário. A visão da parte exposta do iceberg fica, pois, insuficiente para a interpretação do binômio autonomia-consentimento.
Pelo exposto, as peculiaridades da tensão incidente na beira do leito estão fortemente interligadas ao fator tempo, quanto mais ele permitir mergulhar nas profundezas de cada caso, dedicar ao esclarecimento da conduta e suas implicações prognósticas, mais autenticidade humana haverá no desenvolvimento do binômio autonomia-consentimento na relação médico-paciente.