Rachel Sztajn
Professora de Direito e membro da Comissão de Bioética do HCFMUSP
Conflito entre áreas resulta em decisão de 1ª. instância da Justiça do Trabalho que condena o Hospital Sírio-Libanês a indenizar, a título de danos morais, médica demitida por ter divulgado prontuário médico da paciente Marisa Letícia, esposa do ex-presidente Lula, internada naquela casa de saúde http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI278168,41046-SirioLibanes+deve+indenizar+em+R+577+mil+medica+acusada+de+vazar.
Base da decisão é o argumento de que as informações teriam sido transmitidas a grupo composto exclusivamente de médicos, que não se tratava de informações do hospital – e poderiam ter sido obtivas sem acesso a prontuário. Argumenta-se que a internação da paciente era de conhecimento público, que circulava em redes sociais.
O hospital demitiu a médica por justa causa- violação de sigilo profissional – o que foi entendido pela juíza como indevido e explica: a) o atendimento da paciente, antes da internação, fora divulgado e circulava em redes sociais; b) o plantão da médica, encerrado às 20h do dia da internação, estava encerrado antes da elaboração do prontuário; c) hospital não teria sido diligente na apuração da culpa imputada à médica, agindo de forma acintosa, imprudente e indevida ao imputar o fato (vazamento de informações) à médica, autora da ação.
Assim a magistrada em sentença declarou nula a rescisão do contrato por justa causa, revertendo-a para dispensa imotivada, condenando o hospital ao pagamento de verbas rescisórias e danos morais, estes fixados em cerca de vinte vezes o último valor do salário da profissional.
Elemento fundamental em relação a informações de atendimento médico-hospitalar é que elas não pertencem ao profissional ou à instituição, são de titularidade do paciente, cabendo ao hospital sua guarda e preservar o sigilo, independentemente de o prontuário médico ter, ou não, sido elaborado.
Os fundamentos da sentença padecem do desconhecimento pelos operadores do Direito, de regras especiais que regem os deveres dos profissionais da medicina como o Código de Ética Médica, a par do fato de que, mesmo celebridades, têm direito à intimidade que não pode ser violada sem prévia e expressa autorização da pessoa ou ordem judicial.
Veja-se o teor do art. 73 do Código de Ética Médica: “É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. O parágrafo único dispõe: Permanece essa proibição mesmo que o fato seja de conhecimento público.”
Demais disso, o art. 5º, inciso X, da Constituição da República, cláusula pétrea, confere à intimidade, à vida privada, proteção clara visando a que não sejam divulgadas informações que possam atingir a intimidade, que sejam ou devam ser consideradas segredo, mesmo que possam ser de interesse público. Há que veja na intimidade uma espécie do gênero da privacidade.
Isto é reconhecido no Código de Ética Médica quando dispõe que salvo expressa autorização do paciente, ou dever legal, o sigilo profissional é regra absoluta.
Vale dizer: mesmo a divulgação da condição da paciente a outros profissionais da saúde não tinha suporte no Código de Ética Médica – não havia justa causa, nem se buscava segunda opinião (consulta entre profissionais) – constituía fundamento para a demissão da profissional. Acentua-se que o uso de meios eletrônicos tem, ainda, o risco de ser invadido por hackers que poderiam fazer uso indevido da informação médica. No plano do Direito, houve violação do inciso X ao art. 5º. da Constituição.
Dessa forma, salvo falta de diligência do hospital no que diz respeito à imputação da quebra de sigilo pela profissional, foram violados o art. 5º., inciso X da Carta Magna, assim como o art. 73 do Código de Ética Médica fundamentando recurso para rever a decisão de 1ª. instância.