Tenho observado que a figura do Consentimento Livre e Esclarecido na assistência carrega uma visão de profundo respeito pelo ser humano que o médico deseja acolher sem nenhuma conotação de coerção, pretendendo um benefício admissível na circunstância e outra de defesa profissional para eventualidades de danos e insatisfações do paciente/família.
O aspecto ético está no diálogo que esclarece o paciente real, o aspecto legal está no documento que pretende esclarecer um juiz imaginado.
Fico imaginando se o modo burocrático de lidar com o Consentimento Livre e Esclarecido não embute uma ideia de transferência de certa responsabilidade para o paciente, algo como uma cumplicidade perante o que der e vier. Se ele sabia da possibilidade não há razão para questionamento.
Desta maneira, reforça-se dia-a-dia uma distorção das duas adjetivações clássicas do Consentimento. A liberdade está visivelmente comprometida pela assinatura solicitada em momentos impróprios para a reflexão de fato livre, enquanto que o esclarecido talvez nem chegue a um informado porque não há, pelo menos, a vista d’olhos.
Para desgosto da Bioética, expande-se um mundo real e contrai-se o mundo ideal que contém a fundamentação do processo de consentimento pelo paciente à recomendação médica. Exageros à parte, é como afirmar que o paciente assumiu os riscos isentando antes a Medicina- e o médico- de culpa.
Na verdade, o diálogo que deve sustentar o Consentimento é justamente para explicar que a realização da conduta recomendada dar-se-á sem nenhuma intenção de causar dano, mas que alguns são estatisticamente possíveis apesar da atuação prudente, zelosa e com perícia. Em outras palavras, conceitualmente, não é o paciente que deve isentar o médico de culpa, mas é o próprio médico que se exime de culpa por respeitar o artigo o Art. 1º do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Tanto é que, obviamente, qualquer representação de erro profissional precisa passar por uma perícia sobre a conduta, com ênfase no prontuário do paciente e não num documento que sustente que o paciente estava ciente da possibilidade do dano.
Uma das vantagens de um Comitê de Bioética é contar uma plataforma multiprofissional e interdisciplinar, onde um aprende com o outro saberes que não aprenderam ou de que não têm vivência por não lidarem no dia-a-dia. Assim, é fórum oportuno para que médico e advogado tentem uma harmonia entre a visão prioritária de benefício/não malefício e a de malefício/não benefício.