A Bioética envolve-se com vários aspectos da vida. Um deles é o processo da morte. Tema tabu como já mencionado em outro post.
O médico contribui para o distanciamento, é histórico. A comunicação médico-paciente privilegia a expectativa do bom resultado de um tratamento, da boa evolução da doença, da recuperação física do paciente.
Recomenda-se uma prescrição esclarecendo os seus benefícios visando a cura, não os de evitar a morte. Esta fica embutida e calada nos pensamentos de cada um.
As crianças são habitualmente socializadas sem envolvimento com o assunto da morte: seja alguém, viva bem, respeite os outros, etc… Nunca, esforce-se por uma boa morte.
A morte é preocupação do adulto, especialmente do idoso, particularmente do doente em fase avançada do seu mal.
O que acontece é quando se chega perto da morte, verifica-se que faltaram alguns preparativos para a boa morte. Evidentemente, não é da maioria pensar que morrer é bom, mas se ela tiver que acontecer, inexoravelmente, que seja da melhor maneira, especialmente para o paciente.
Qualquer definição para melhor maneira inclui a visão pessoal do paciente. Tecnologias, máquinas, fármacos agressivos que não contribuam para mudar o prognóstico de uma morte em curto prazo podem ser fatores de má morte. O paciente precisa saber disto, se possível, estar bem previamente informado. Conscientização da sociedade!
No campo médico, ocorre uma redução da educação dos jovens profissionais que designava a morte do paciente como um fracasso profissional e que não se opunha à obstinação terapêutica. A Bioética participa! Muitas doenças não podem ser cuidadas no estado atual da Medicina, a ponto de reverter a progressão para a morte determinada por sua história natural. Após períodos de contenção do prognóstico sombrio, ele acaba prevalecendo sobre as lacunas da Medicina.
Conversas sobre a morte acontecem na proximidade da mesma, habitualmente, cercadas de grande envolvimento emocional em função da perda iminente. Expectativas iniciais frustradas trazem um clima inapropriado para tomadas de decisão. E doloroso dar-se conta que o médico que prometeu e realizou o esforço terapêutico agora propõe a desistência e a modificação da estratégia de conduta para uma paliação. É difícil para familiares declarar concordância com a retirada de métodos terapêuticos, até então vistos com potencial resolutivo. Esperança e sentimento de culpa existem!
Brasileiro mais idoso, crescente combinação de morbidades redutora de chances de sucesso terapêutico e desenvolvimento de cuidados paliativos mais eficientes têm provocado estímulo para discussões sobre a terminalidade da vida. E um dos aspectos envolvidos é a conveniência de uma pré-decisão sobre o que o paciente prefere caso ele venha a se encontrar em situação com altíssima probabilidade de últimos dias de vida.
Não parece ser fácil discutir a morte longe dela, quando a vida vai muito bem, com disposição, planos e realizações. Cada vez mais, entretanto, é preciso. Paradoxal, mais progresso da Medicina, mais necessidade de se discutir a terminalidade da vida!
Preocupar-se com a morte é algo análogo a construir uma poupança para uso na terceira idade. Investir na vida… e no processo da morte. Mudança de cultura, sem dúvida, mas qual um rio, só persiste o que muda, a água de ontem já passou.
Neste contexto de antecipação da discussão, de transferência para nível doméstico do que se costuma fazer tão somente em nível hospitalar, o CampaigAdvance Care Planning in Canada’s Speak Up Campain http://www.advancecareplanning.ca/ recomenda 5 passos. Eles visam a elaboração de um planejamento para orientar a tomada de decisões por um representante do paciente que perdeu a capacidade para tal, em face de circunstância clínica de mau prognóstico e chance de morte em curto prazo.
Ponto essencial é que os passos sejam entendidos como um processo, ou seja que haja a construção gradativa com lápis e borracha no pensamento e na documentação.
O blog Bioamigo traz uma adaptação, para ler o original, acesse http://www.advancecareplanning.ca/making-your-plan/how-do-i-do-advance-care-planning.aspx
Passo 1- PENSE– O que admite que seja certo para você, quais são os seus valores, as suas crenças e o seu entendimento a respeito, tanto da terminalidade da vida, quanto de procedimentos médicos.
Passo 2- APRENDA– Interesse-se por saber quais são os métodos da Medicina que são aplicáveis à terminalidade da vida. Constate quais poderiam influenciar positivamente a qualidade de vida e quais determinariam apenas um prolongamento dos dias de vida. Verifique o que lhe soa mais adequado.
Passo 3- ESCOLHA- Decida qual pessoa tem a sua confiança para falar por você, respeitando e seguindo os seus desejos sobre a terminalidade da vida, na eventualidade de não tiver condições de fazer por si mesmo. Exponha seus desejos para este Representante a ser indicado e também para familiares e para amigos que julgue importantes para preencher a sua falta de vocalização consciente. Informe as escolhas aos seus médicos. Dê-lhes cópia de eventuais escritos ou áudios que tenha produzido sobre os seus desejos.
Passo 4- REGISTRE– É uma boa ideia documentar seus desejos acerca da terminalidade da vida, por escrito ou por vídeo. Informe-se sobre como registrar uma Diretiva Antecipada deVontade (Testamento Vital).
Passo 5- REVEJA– Os seus desejos podem ser influenciados por várias razões, ao longo do tempo. É desejável que você os reveja e os discuta periodicamente com as pessoas de sua confiança, familiar, amigo, profissional. Lembre-se: Vontade desenhada a lápis e borracha!
Estes passos são essenciais para quebrar tabus pessoais, familiares, profissionais e sociais.