Recentemente, o Brasil presenciou duas decisões de natureza política e legal que dividiram opiniões. A primeira foi o impeachment de Presidente da República com manutenção dos direitos políticos. A segunda foi a confirmação de senador na presidência do Senado com perda do direito à assunção da Presidência da República. Análises sobre interpretação da lei e circunstâncias de interesses políticos dominaram o noticiário.
Uma lição é que decisões de grande impacto para milhões de pessoas admitem flexibilidades. É essencial um poder com crédito para a condução resolutiva num vai-e-vem energizado pelo calor humano e pela frieza de textos normativos. Seus valores incluem confiança em cabeças pensantes, saber interdisciplinar e visão de solidariedade.
Tais acontecimentos “de Brasília” estimularam-me a desenvolver analogias com crises da beira do leito, inclusive porque muitas são comoções na relação profissional da saúde-paciente/familiar que impactam igualmente densas. Utilizei-me da Bioética como plataforma.
Há questões da beira do leito que têm relevância deontológica e admitem o encaminhamento pela Comissão de Ética Médica, braço do Conselho Regional de Medicina na instituição de saúde. Há questões que envolvem mais diretamente o Direito, em que uma análise a respeito de legislação vigente encaixa no núcleo jurídico disponível. Estas instâncias são vistas com poder decisório. Para tudo o mais, existe a Bioética. Todavia, não cabe falar em instância superior decisória. O objetivo é cooperar em tomadas de decisão disponibilizando às partes interessadas alcance interdisciplinar dentro e fora das ciências da saúde, incluindo orientação deontológica e jurídica.
Portanto, de modo distinto às referidas decisões “de Brasilia” que resultaram acatadas pelo ordenamento constitucional de competências, a colaboração de Comitê de Bioética – ou por meio de um parecer formal ou como partícipe do diálogo com as partes envolvidas- não faz as vezes de uma obrigação de acatamento. Por isso mesmo, o próprio Comitê de Bioética precisa ir ao encalço de grau elevado de credibilidade para dar razão de ser à participação ativa na relação profissional da saúde-paciente/familiar.
No mundo real da beira do leito, observa-se uma tendência à demanda de um porto seguro jurídico, quer pelo profissional da saúde que deseja a proximidade da “terra firme”, quer pelo paciente/familiar que se vê atingido por ondas revoltas. Nem sempre o olhar tão-somente jurídico é capaz da visão panorâmica que integra equidade, benefício e segurança, muitas vezes por dissociações com certas circunstâncias que dinamizam a beira do leito ética. O pensamento é, então, reservar o parecer jurídico para situações especiais e valer-se da agregação de disciplinas proporcionada pela Bioética.
Assim sendo, é missão do Comitê de Bioética fazer elevar o grau de confiança na sua capacidade de impulsionar uma resolução de conflito que, respeitosa ao direito à autonomia das partes, seja justa para que cada parte não fique além do que lhe cabe, generosa para que cada parte “doe” o que não lhe fará falta e solidária para satisfação de um interesse coletivo.
Neste contexto nem Comissão de Ética Médica nem Núcleo Jurídico, o Comitê de Bioética precisa ocupar o espaço sendo mentalizado como útil e eficaz para aproximar as partes, fazê-las bem reconhecer os conflitos, trazer sugestões, emitir propostas e analisar prós e contras evolutivos. De certa forma, o Comitê de Bioética incorpora conceitos de conciliação e mediação e deve evitar a atividade de arbítrio que substitui a vontade das partes.
Adquirir o crédito institucional de identidade com os peculiares acontecimentos técnicos e humanos da beira do leito requer do Comitê de Bioética não somente resultados harmonizados com as expectativas, como também o entendimento pelas partes dos limites existentes empecilhos a certas esperanças.
Continuidade, agilidade e utilidade é tríade fundamental para a capilarização da Bioética na beira do leito. Assim fazendo, haverá a nutrição necessária para o crescimento saudável da flexibilidade do consentimento espontâneo ou apoiado pelo crédito na cooperação da Bioética.
É crédito ou débito? O Comité de Bioética deve ser passado sempre para crédito, nunca para ficar em débito!