A história da Medicina, especialmente a mais recente, coleciona controvérsias e mudanças de conceitos na esteira de pesquisas clínicas e da observação clínica tempo-dependente.
As oscilações de pensamentos e de recomendações de condutas trazem o potencial da “medicamentalização” da vida, vale dizer, prescrições médicas em demasia e expansões discutíveis de expressões clínicas em determinados diagnósticos, pseudo-justificadoras de uma visão de benefício por fármacos. Neste contexto, creio que inúmeras situações de tristeza necessitando de um trabalho mental pessoal têm sido equivocadamente medicadas como real depressão.
A Bioética contribui para compreender os impasses e apoiar soluções a respeito de interpretações divergentes no âmbito do Pentágono da Beira do leito sobre (des)necessidade de intervenções diagnósticas e/ou terapêuticas, aposição de rótulo de doença, aconselhamentos para mudanças de vida e revisões frequentes objetivando acompanhar evolução não tratada.
Atualmente, há a proposição dos termos gêmeos diagnóstico excessivo (overdiagnosis) e tratamento excessivo (overtreatment), que, análogos à “medicamentalização” da vida, interessam à Bioética pelo risco de mais malefício do que benefício por aplicações preventivas e terapêuticas. O malefício reside não somente na adversidade inerente à aplicação do método pretendendo benefício, como também na ausência de medidas eficientes para um diagnóstico não realizado.
Muitos na beira do leito – como aqueles arredios contumazes a se agregarem acriticamente a “manadas inovadoras”, atitude influenciada pelo tempo de “janela” sobre idas e vindas do saber médico – entendem como modismos e exageros na versão de conclusões de certas pesquisas para a beira do leito, pois insuficientes para sustentar condutas rotineiras. Uma “contracorrente” pela vivência de muitos anos de profissão que não costuma ser bem vista pelos defensores da Medicina baseada em evidências e da Medicina translacional. Argumentos não faltam para cada uma das partes.
Um excesso de diagnóstico/terapêutica cabe em geral quando aplicado à população em geral, porque conduta com aceitação na comunidade profissional, todavia, associada a um desequilíbrio desfavorável entre benefício e malefício. O reconhecimento não imediato que a oferta de um entusiasmado benefício colide com um preocupante potencial de adversidade é motivado comumente, não somente por um efeito de alarme sobre a importância clínica do diagnóstico, como também pela necessidade de tempo de observação para maturação dos reais efeitos da aplicação. São discutíveis os pensamentos de obrigação de fazer e os simplistas que prováveis adversidades relevantes “fazem parte”.
O tema enquadra-se no conceito de Medicina em demasia que abriga análises críticas sobre intervenções de reduzido valor para qualidade de vida e para sobrevida. Uma realidade da beira do leito é o conflito entre a ressalva contensora que a aplicação seria uma imprudência e o receio do entendimento que a não aplicação seria uma negligência por parte do médico. Indicadores laboratoriais e certas análises de exames de imagens podem sugerir hipóteses diagnósticas e criar dúvidas se o esclarecimento seria obrigatório porque a eventual confirmação não traria, no momento, a prática de uma conduta benéfica, útil e eficaz. Em outras palavras, ficar com um diagnóstico “congelado” numa chamada conduta expectante (watchful waiting) versus desconsiderar um esclarecimento pela consciência que qualquer conduta para uma positividade traria mais malefício do que benefício, eis a questão.
O denominador comum destas incertezas numa plataforma de sinceridade, boa-fé e respeito é a necessidade imperiosa de o médico bem se comunicar com o paciente e compartilhar seus pensamentos, expressar os limites determinados pelo conhecimento atual da Medicina, esclarecer sobre risco de adversidades na pretensão de um benefício, tornar ciente que não recomendaria uma conduta tão-somente visando a uma evitação de acusações de negligência, muitas vezes sustentadas por interpretações enviesadas de diretrizes clínicas.
Não pode ser desconsiderada a individualidade enfeixada em multi-morbidades que demanda ajustes de não maleficência na aplicação de diretrizes clínicas objetivando essencialmente um melhor equilíbrio entre controle da doença, atenção à qualidade de vida e preocupação com sobrevida. Num extremo nada gratificante, mas humano e profissional, estão as demasias de aplicação de métodos diagnósticos e/ou terapêuticos na chamada terminalidade da vida, futilidades, inclusive, desobediências momentâneas a decisões médico-familiares sobre não ressuscitação.
A complexidade crescente da Medicina acentua confrontos entre moral e técnico-ciência. No contexto do objetivo de evitar danos ao paciente, especialmente, quando os benefícios são discutíveis, não bastaria o aspecto quantitativo, importaria o qualitativo, e que adversidades deveriam ser consideradas não apenas na visão do médico, mas também na do paciente, o que, dependendo da sua posição, pode determinar até objeções de consciência por parte do médico.
O Quadro mostra uma tríade de recomendações para a clareza de Medicina em Demasia.