Faz 20 anos que David Sackett (1934-2015) reafirmou que a Medicina baseada em evidências não se restringia a estudos randomizados e a meta-análises. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2349778/pdf/bmj00524-0009.pdf.
Entretanto, para conclusões sobre o que é mais benéfico do que danoso em terapêutica, o padrão-ouro é o estudo randomizado e a revisão sistemática de um conjunto deles. Na ausência, ele recomendava seguir o apontado pela mais próxima evidência externa.
Análises sobre confiabilidade revelam o quanto desenvolve-se uma tensão entre conhecimento técnico-científico e trato com a condição humana em pesquisa clínica. Ponto relevante é que é a mesma concepção inovadora sobre um objetivo primário que não pode imediatamente tornar-se conduta assistencial por uma idealizada expectativa otimista que é aplicada a um número restrito de seres humanos para verificação de não-inferioridade ou de superioridade em relação ao já validado. A exposição arriscada pelas incertezas não deixa de acontecer, porém, ela ocorre sob o domínio de controles justificados de acordo com um código moral prescrito por representantes da sociedade.
De fato, quem deseja ampliar o conhecimento técnico-científico sem descurar da proteção e do bem-estar do voluntário de pesquisa clínica deve comprometer-se profissionalmente com um amplo conjunto de variáveis para ajustes de concepção e de aplicação do estudo experimental. Nele incluem-se probabilidades, incertezas, utilidade, eficácia, vulnerabilidade, dignidade, prudência, zelo, reprodutibilidade, beneficência, segurança, autonomia, paternalismo fraco, boa-fé, confiança e interpretação da verdade.
A mixagem destas forças, cada uma com suas especificidades que se apõem e se contrapõem de acordo com as circunstâncias, é que dá sustentabilidade ao valor de conclusões e à pertinência da translação para a beira do leito assistencial, à medida que contribui para a harmonia entre o bem nas ciências da saúde, a dignidade em saúde pública, os limites da pesquisa clínica e a preservação humana no ecossistema (Quadro).
Neste sentido, a Bioética atua de modo abrangente. Ela lida com heterogeneidades como o trivial consentimento efetivamente livre e esclarecido do voluntário de pesquisa, o preocupante objetivo “não convencional” para o desenvolvimento e para o uso de um fármaco, a dificuldade universal da alocação de recursos na atenção às necessidades de saúde de uma população e as espantosas perspectivas da engenharia genética e do transumanismo.
O real comportamento dos pesquisadores clínicos em relação aos valores e às regras determinadas, ou seja, a moralidade com que eles geram conclusões a respeito de diagnóstico, terapêutica e prognóstico é objeto de salvaguardas a formas de abuso por mecanismos regulatórios pertencentes à Ética em Pesquisa. Não faltam fatores -embora atuantes numa minoria- para macular um desejável código moral na pesquisa clínica.
Ponto crucial na precaução é a conexão entre conflito de interesse e desvio moral, pois ela abriga modalidades de violações dos direitos humanos associadas ao mau uso da pesquisa. A Bioética estimula iniciativas para dar equilíbrio entre a epistemologia e a ética no campo de pesquisa clínica, não deixando cair no esquecimento instabilidades históricas, especialmente as mais vergonhosas ocorridas no século XX. Ela colabora com a Ética em Pesquisa repercutindo os distintos níveis de intenções inaceitáveis numa pesquisa clínica, desde aquelas nem percebidas como tais pelo pesquisador – em curva de aprendizado, por exemplo- até o vexatório extremo das fraudes e da eticopatia (Quadro).
Lembremos da Declaration on Bioethics and Human Rights: Os interesses e bem-estar do indivíduo são prioritários em relação ao interesse isolado da ciência ou da sociedade! http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=30275&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html