A Bioética parece, para muitos, orbitar ao redor da Medicina, ambas representando monólogos justapostos. Para outros, abrangendo aqueles que “fazem bioética”, a prática da integração existe, há o diálogo, há a troca de métodos -interdisciplinaridade-e, especialmente, há a troca de conceitos- transdisciplinaridade que admite o não científico.
De certa maneira, ambos têm suas razões. A Bioética é uma nova avenida e as ruas que dão acesso às edificações tradicionais estão em construção, há muita obra pelo caminho. Em outras palavras, é a capilarização intensiva, quase que obsessiva, que dará expansão aos que já “fazem bioética” e assim todos “farão bioética” incorporada ao ser profissional.
É importante salientar que há os chamados bioeticistas que fazem a gestão mas todo profissional da saúde deve, uma vez capilarizado, sentir-se um agente da prática e da difusão da Bioética. Esta energização acontece na medida em que cada um passa a reconhecer a utilidade e a eficácia de pensar Bioética em meio às cogitações técnico-científicas e às considerações de ordem humana.
Capilarizar Bioética, é pois, transformar a pressuposição de que ela seja tão-somente um saber abstrato, um fetichismo de idealistas afastados da linha de frente, na incorporação de uma ferramenta concreta para lidar com a infinitude dos mistérios do profissionalismo.
A capilarização da beira do leito pela Bioética favorece a sustentabilidade da prudência e do zelo nos cuidados com a saúde. Ademais, ela dá força para as convicções dos circunstantes, faz vigorar tomadas de decisão na plena consciência da responsabilidade pelos atos e não em maus sensos pelo receio de consequências de eventuais transgressões a “obediências de manada”.
A capilarização da beira do leito pela Bioética exerce uma atividade de fio condutor em meio às cada vez mais céleres mudanças de ofertas da Medicina e de disposições de receptividade pela sociedade. A história dos Códigos de Ética Médica brasileira faz perceber com clareza como é importante poder agora contar com a Bioética para ganho de naturalidade no desenvolvimento de atualizações sobre a eticidade em Saúde em função das novas realidades. Os incidentes associados à incorporação da ortotanásia à eticidade brasileira é ilustração neste sentido.
Precisa ser multiprofissional o alvo da capilarização pela Bioética. A história contemporânea da beira do leito testemunha a expansão do binômio médico-enfermeiro para uma população multiprofissional de competências nos cuidados com as necessidades do paciente. Há mais estruturas de poder à disposição, considerando que há muito mais além de um CID em jogo, há um ser humano agregado por vulnerabilidades de ordem econômica, emocional, étnica, de gênero, etc.. etc… Não raramente, não resolvê-las minimamente que seja, compromete o sentido de benefícios terapêuticos.
A visão pós-moderna de integração de cuidados a um ser humano durante um processo de atenção à saúde traz certas implicações na harmonia de composição do benefício, da segurança e do direito à autonomia. Por isso, a capilarização multiprofissional pela Bioética insere-se nesta política mais inclusiva, pois contribui para uma apreciação plural mais resolutiva das individualidades de cada caso.
A adaptação do paciente ao meio ambiente quer num hospital, quer em domicílio, este novo fundamento para o conceito de saúde que se expande rapida e universalmente, cresce à medida em que o compliance resulta alicerçado não somente pela conscientização de bens e males para órgãos e sistemas, mas também por apoios a suas dificuldades de existência independentes da doença em si. É sabido como violências sociais e domésticas, em seu amplo sentido, não somente impedem o exercício da vontade pelo paciente, como também, e de modo interligado, provocam antagonismos às recomendações beneficentes e de segurança.
A Bioética é naturalmente sensível a todo esforço de acompanhamento dinâmico das vulnerabilidades do paciente, o que coloca em evidência a contribuição do pensamento com a sua influência. A capilarização multiprofissional torna-se essencial para fazer ver que Bioética está longe de ser uma abstração de alguns poucos idealistas, pelo contrário, ela é fator pró-solidez em tomadas de decisão, especialmente as conflituosas.
Van Rensselaer Potter (1911-2001) assinou a certidão de nascimento da Bioética quando escreveu o livro Ponte para o Futuro. A capilarização da beira do leito compartilha esta visão de ponte.
Há exatos 200 anos, o bom médico no entender dos pacientes era aquele que se modernizara com um “aparelhinho”, o estetoscópio recém-inventado por René-Théophile-Hyacinthe Laennec (1781-1826). Num futuro próximo, haverá a exigência do paciente de o seu médico escutar com Bioética.