PUBLICAÇÕES DESDE 2014

984- Pertencimento (Parte 2)

As diretrizes clínicas atuais são idealmente reunião de super-saberes, autoridades mas não autoritárias. Necessitam sofrer reflexões após consultá-las, demandam um hiato entre pensar e atuar, além de uma auto reflexão sobre o estar de fato sendo médico pela aplicação.

Pelas precariedades, pelas infinitas circunstâncias, pelas especificidades, pelas necessidades múltiplas, pelas limitações de disponibilidade de tempo, uma aliança consistente médico-diretriz clínica requer imprescindível cooperação. Há o risco, contudo, de indiferenças às sinuosidades da clínica e de comportamentos de obediências cegas, onde o prescritor torna-se insensível às complexidades.

Aspecto negativo é que a leitura dos originais e o exercício crítico ficam prejudicados, as manchetes parecem suficientes para sustentar tomadas de decisão sobre condutas. O paciente pode até receber a orientação adequada, mas deficiências da formação profissional trazem sorrateiras consequências no lidar do estar médico com o ser humano.

De alguma forma, uma acrítica conformidade a uma diretriz clínica quebra o feedback entre a captação da experiência desde um paciente e a devolução em espiral ascendente para o próximo paciente. O conceito de ajustes fica distorcido, parece mais aceitável uma evolução mesmo que ruim que seguiu uma conduta alinhada á diretriz clínica do que o risco de desvios da mesma que se presume com menos chance de adversidades. Ademais, ausência de evidências científicas por estudos sistematizados traz um sinal vermelho apesar de haver observações clínicas favoráveis, confundindo a falta com uma evidência de não aconselhamento ao uso.

Evidentemente, há muito de bom nas diretrizes clínicas e elas têm sido essenciais em sucessos terapêuticos. Todavia, será que alguns aspectos inconscientes não deveriam ficar explícitos? Por exemplo, uma recomendação ou uma classificação de dimensão de efeito resulta muitas vezes de uma votação. Assim por 6×5 uma conduta é exposta como classe I e não como classe IIa. Este escrutínio não resulta publicado. A manifestação de conflitos de interesse pelos membros não é exatamente uma vacina de qualquer  influência externa.

Tudo isso implica numa consideração sobre liberdade profissional, numa avaliação sobre o significado da integração entre os Princípios fundamentais V– Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade e VIII- O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho, do Código de Ética Médica (2018).

Não há intenção original de diretrizes clínicas representarem censores, mas para evitar  precisa que elas sejam reconhecidas como flexíveis e não dogmáticas, ou seja, podem – e devem- ser alvo de críticas. Se é certo que perante a imensidão da literatura o médico poderia ter extrema dificuldade em desenterrar e peneirar conclusões de pesquisas para aplicação imediata num caso, a evitação deste caos pelas diretrizes clínicas não pode ser uma algema, o espírito é de bússola para uso por um agente moral da medicina.

Eventual não uso de diretriz pode ser ajuizado por terceiros como mau uso da medicina, um equívoco sobre beneficência, o que de certa maneira subverte o clássico conceito aplicável à beira do leito que existem doentes e não doenças. Médicos estão ligados à medicina, mas suas atitudes devem ter liberdade. Eles não podem desconsiderar o estado da arte mas podem considerar a arte de estar médico.

As limitações e as potencialidades adversas dos métodos não podem ser modificadas pelo médico, mas estes aspectos exteriores podem gerar escolhas internas independentes das diretrizes clínicas em nome da segurança do paciente. Refere-se ao princípio da não maleficência, cujo respeito é uma forte questão de liberdade profissional.

O quantum é necessário de médico-diretriz e de médico-experiência é questão em aberto e de grande interesse  pela Bioética da Beira do leito.

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