Bioamigo, quando você diz saúde! para um familiar ou para um amigo que espirra, o que você está desejando exatamente para ele? Que, aliás, deixa de vê-lo por alguns segundos, porque o espirro faz contrair os músculos da face e torna impossível manter os olhos abertos.
Talvez, a pergunta traga-lhe alguma dificuldade de resposta imediata, não se preocupe. A manifestação de saúde! ante um espirro tornou-se um gesto automático. Um hábito memorizado que é repetido de forma inconsciente. Emitimos uma palavra com alta representação na vida de todos, por isso, é esquisito que fique solta como fruto tão somente da educação.
Costumamos ter em mente o valor de estar com saúde de modo difuso e quando vamos conceituar o que de fato é saúde percebemos quão complexo é mesmo. Cabem individualidades de apreciação que seguem observações das ciências e movimentações da sociedade que pelas dissonâncias de fundamentação afastam o consenso acerca do significado de saúde.
Bioamigo, o seu familiar ou amigo ao ouvir saúde! pode estar vivenciando qualquer combinação entre o que entende como saúde, doença, bem-estar e mal-estar. Desta forma, ele poderá estar, ao receber sua manifestação bem intencionada, sentindo certo grau de tensão entre o que a teoria biomédica propaga e o que sua realidade de momento provoca. Saúde! lhe soará tão somente como uma etiqueta social- uma interjeição fluida- ou, então, poderá ser mais intensamente captada como alento para resolução de alguma necessidade do organismo até mesmo ignorada por você. Assim o seu saúde! pode não resultar tão neutro e efêmero.
A palavra saúde admite fatos e valores que a tornam um termo guarda-chuva. Desta maneira abriga uma pluralidade de conceitos cada qual prestando-se para determinado propósito, quer uma prevenção, quer uma recuperação de órgão, quer um problema de saúde pública.
Bioamigo, você sabe que certo CID pode reprovar alguém para uma atividade profissional com responsabilidade sobre a condução de um conjunto de pessoas. Trata-se de avaliação do risco para uma coletividade que não significa exatamente que o reprovado deva ser enquadrado num maniqueísmo sem saúde- com doença. É exemplo do porque qualquer visão tradicional de doença resta insuficiente para definir o real grau da interferência na vida de cada um. É observação que desestimula reducionismos e orienta para a conveniência da apreciação de saúde/doença como um repositório de concepções e abordagens relativistas.
Veja bioamigo, a moderna exposição de probabilidades de desenvolvimento de doenças pelo genoma de uma pessoa absolutamente sadia pode provocar uma imersão numa atmosfera de doença. O corpo (ainda) saudável e os pensamentos já patogênicos, o que se por um lado pode gerar providências preventivas individualizadas, por outro, tem o potencial de provocar decorrências trabalhistas (prejuízo na concorrência), securitárias (valor do prêmio) e pessoais (inibição de auto investimento) preocupantes.
Assim, um marcante progresso da ciência visando à antecipação de diagnósticos faz com que alguém hígido sinta-se agora inseguro sobre uma proximidade de doença sem data marcada qual sob uma espada de Dâmocles, ou, então, refém de eventuais vazamentos indevidos de futurologia. A pandemia pelo novo coronavírus reproduz este estado com mais imediatismo, um efeito Orloff entre a população dublê de saudável e portador/transmissor da doença, permanentemente temerosa de estar no período de incubação.
De fato, a linguagem estar/sentir-se com saúde acolhe várias interpretações e abordagens em contextos de articulação entre ciências da saúde, profissional da saúde e paciente/familiar.
A subjetividade de assintomático/boa qualidade de vida- visão do paciente- e a objetividade dos sinais- visão da medicina/médico- admitem níveis distintos de enfoque sobre o par fato-valor de diagnósticos comprovados.
Há o paciente “desligado”, o hipocondríaco e o Munchausen; há o profissional da saúde burocrático e o aflito. Há a Medicina baseada em Evidências e há o menos é mais da Slow Medicine. Há a automedicação e há o efeito bula.
Por isso, caso você bioamigo for explicar ao seu familiar ou amigo porque lhe desejou saúde!, talvez seja justo mencionar que seu propósito abarcou uma lista e assim diga que se preocupa com a reunião de bem-estar físico, mental, social e espiritual e, caso haja alguma doença, quer que ela não prejudique adaptar-se a restrições ou impeça a autogestão das necessidades. Uma atenção humana que nada tem a ver com a admitida origem do comportamento: o espirro expulsa a alma que precisa, então ser protegida de males pela força da palavra saúde!
Pronunciamos com frequência a palavra saúde em sistema de saúde, Sistema Único de Saúde, plano de saúde, posto de saúde, saúde complementar, ministério da saúde. Ela, entretanto integra-se na designação como um termo sem a necessidade da precisa conscientização de um significado isolado de cada palavra. Ademais, estas designações suscitam mais frequentemente a atenção a doenças do que um pensamento de preservação da saúde.