Uma vacina contra a Covid-19. A almejada e resolutiva resposta da humanidade por meio da capacitação da tecnociência contra a agressão planetária. Traz das profundezas o imaginário do gênio da lâmpada de Aladim: desejo minha vida restaurada!
Há urgência, mas é necessário respeitar o dito há cerca de 200 anos pela escritora Jane Austen (1775-1817): Não me ataquem com seus relógios. Um relógio está sempre ou muito rápido ou muito lento. Eu não posso ser conduzido pelo relógio.
O contexto adverte para a importância de investimentos no tempo qualitativo pelas premissas que o número de observações sistematizadas com determinado objetivo deve ser de uma grandeza adequada, que a heterogeneidade de condições não deve ser desprezada e que toda atenção é válida para captação de eventuais contra evidências.
Não há ainda nesta primeira década de dezembro de 2020 firmeza técnica para uma hora marcada. Haverá a hora certa. Inovações e clássicos mobilizados, mesclados na linguagem busca do inédito a todo o vapor. O habitual silêncio no desenvolvimento de pesquisas clínicas virou enorme ruído. Todos almejam o seu eco decisivo por todo o planeta.
Platão (428 ac-347 ac), outro imortal contemporâneo de Hipócrates (460ac-370ac) disse que a necessidade é a mãe da invenção. O tempo ajustou para a mãe da reinvenção. A pandemia provocou centenas de reinvenções e, no caso específico da vacina, motiva possibilidades de reajustes conceituais e práticos pela imperiosidade de uma corrida contra angústias.
Em meio ao distanciamento social, há o paradoxo de os noticiários e as redes sociais fazerem todos se aproximarem. Com ou sem máscaras, contagiam-se posições e contraposições sobre produção e uso de um produto imunizante final. Calibragens entre otimismos cândidos e alertas apocalíticos exalam intenções de compulsoriedade de recepção coletiva e racionais de voluntariado.
Caracteriza-se um simbolismo de esgrima digno de Alexandre Dumas (1802-1870), um assunto universal da maior seriedade que a verve de Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980) talvez popularizasse mencionando uma percepção de Fla-Flu num Maracanã lotado. Um confronto na sociedade entre Tomam todos versus Toma quem se dispuser.
Ataques e defesas em movimentos oscilatórios se a vacina deve ser um item na gôndola da saúde arrumado de tal maneira a despertar um interesse, ou se deve ser um obrigatório CPF que ninguém pode deixar de receber do estado. Um vaivém de argumentações, ora sintetizando, ora analisando controvérsias e que expõe o paradoxo da tolerância: como ser tolerante com o intolerante?
Confiança e solidariedade atapetam a plataforma de tomada de decisão. Beneficência, não maleficência, autonomia e equidade posicionam a Bioética principialista no topo de deliberações.
A convivência com a pandemia presente está contaminada de Bioética. Nada mais justo pelo seu caráter de ponte entre ciências e humanidades. Infelizmente, não se ouvem créditos da sua participação, mas reforça o valor da sua capacidade de organizar matérias-primas para a expressão de pontos de vistas polêmicos, como nos sequentes conflitos pelas indeterminações sobre estratégias sanitárias na pandemia.
No embate pela preservação do Homo sapiens, destaca-se a ciência como instrumento-mor para esclarecer rotas num campo (conta)minado. A ciência habilita um cinturão protetor contra achismos sobre desconhecimentos na medida em que promove endossos e refutações alicerçados em programas de pesquisa consagrados e ajustados para prover uma continuidade resolutiva.
Não faltam lances com dúvidas de interpretação em torno de faltas e impedimentos. A Bioética não deixa de ser um VAR que contribui para uma revisão fundamentada.
A militância em Bioética não exige ser neutro diante de um conflito de opinião, no fundo, todos têm uma posição, mas ela deve ser necessariamente imparcial perante as partes e, assim, esmerar-se para ampliar os ângulos de apreciação sem receio do rumo que poderá tomar.
Parece ser impossível entender como indiscutível algum critério cogitável para o desenvolvimento da vacinação na população. Nestas horas de aperto, onde se ficar o bicho pega e se correr o bicho come, torna-se útil procurar alguma inspiração na natureza. Como dito por Aristóteles (384ac-322ac): A natureza não faz nada sem utilidade.
Um dos mais impressionantes fenômenos da natureza é a água compor-se por explosivos, o combustível hidrogênio e o comburente oxigênio, que arrumados como H2O é um líquido que apaga o fogo. É isso, bioamigo, arrumar a composição do vírus em laboratório de modo a induzir um efeito antivírus.
A água é uma das mais importantes ligações do ser humano com a natureza, portanto, nos concentremos no H2O enfatizando que é componente majoritário tanto da natureza quanto do corpo humano. Inclusive, lagos congelados, geleiras, geisers, aproveitamento de força motriz, uso para navegação, habitat de alimentos indicam o préstimo da diversificação na concepção e no uso de métodos.
Alguma autoridade nos exige tomar água? Salvo, os pais, o médico, personal trainer… A resposta é um não praticamente unânime. Sobrevivemos sem tomar água? Obviamente, não! Quem comanda nossa vontade de tomar água é a sede, guardião vital dentro de nós. A sede é parâmetro confiável para reidratação? Sim, muito embora admita-se que quando da sua manifestação já ocorra uma discreta desidratação. Em suma, a natureza nos aponta prioritário o valor da vontade que comanda comportamentos desde o interior da pessoa.
Desde criança sou fã do escritor Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens, 1835-1910), não somente por sua escrita bem-humorada mas também por seu pioneirismo contra o racismo. Ele escreveu: A água que se toma com prudência não machuca ninguém. Nada mais apropriado para alinhar com os princípios da Bioética: A água é um elemento de beneficência, não está isenta de maleficência, a sede guia nossa vontade de tomar e que haja um copo d´água igualmente para todos.
Assim, conceitualmente, tomar água é imprescindível. Mas não se costuma tomar qualquer água, idealmente ela deve passar por algum filtro, o que representa não maleficência. Em outras palavras, a conjugação de sede e confiança é essência na preservação da hidratação. Porque não para a vacina?
Neste ponto, salta na frente um oposto. Se a sede não puder centralizar a ingestão de água, tomar água na veia poderá ser preciso. A imposição autonômica da sede substituída por uma heteronomia da medicina. A lição? O soro é prescrição médica e o sistema de saúde deve prover a disponibilidade. Se substituirmos soro por vacina… Sempre lembrando que qualquer encontro tem expansões e limitações e que uma pluralidade de encontros -testados ou não- acontecerá na chamada fase 4 de mercado.
A confiança individual e coletiva deve ser uma plataforma para sustentar o direcionamento medicina-médico e a ligação médico-paciente e para proteger contra surdezes à legitimidade das ciências da saúde. Mais especificamente, a vacina como produto da ciência deve estar plenamente qualificada na eficácia e na segurança para ganhar a credibilidade dos profissionais da saúde a ser metamorfoseada em recomendação para o paciente, na verdade para o cidadão não se tornar paciente de Covid-19. Inclusive, recomendação do profissional para si próprio, um atestado de máxima expectativa de imunização sem adversidades. Um comportamento autêntico de solidariedade.