Bioamigo, a resposta ao Não entendo! é simples: a sociedade assim se estruturou, admite aspecto da dignidade humana desafiar o paternalismo profissional reapresentado como autoritarismo e desvalorizado como ingrediente da terapêutica (o médico como remédio), assim incorporando o direito ao consentimento livre, esclarecido, renovável e revogável à rotina da beira do leito.
A Bioética da Beira do leito entende útil diferenciar a verdade como fruto do conhecimento e o valor como alinhado ao desejo. Esta dualidade ajusta-se à necessária ordenação na beira do leito inserida na conexão médico-paciente de um ser humano respeitar o modo de pensar e de manifestar do outro. Os filósofos chamam de tolerância, uma virtude que na beira do leito requer uma participação capaz do paciente, voluntariosa e compreensiva sobre necessidades da saúde, porque a sua vida, qualidade e duração, pode estar ameaçada.
A Bioética da Beira do leito enaltece o rigor tecnocientífico com máxima clareza na recomendação tecnocientífica, mas, ao mesmo tempo reconhece que inevitáveis obscuridades exigem aberturas, flexibilidades para possibilidades do desconhecido e do imprevisível. Daí o destaque para a conveniência da tolerância profissional a contraposições de opinião do paciente, mesmo quando ele manifesta sentimentos de raiva, medo e culpa que, nitidamente, afetam seus juízos.
A Bioética da Beira do leito recomenda que o exercício da tolerância seja oportunidade para um melhor entendimento da contramanifestação do paciente, para a descolonização de vieses do pensamento leigo. Por isso, predispor-se e treinar como ajustar-se com decorrentes limitações da beneficência é matéria obrigatória para o profissional da saúde.
As realidades sediadas na beira do leito desde Hipócrates (460ac-370ac), continuamente reinterpretadas à luz de saberes, poderes e ética, compõem renovados sentidos de eletividade, urgência e emergência, cujas fronteiras nem sempre restam cristalinas.
A emergência é fonte de exceções no Código de Ética Médica, o que requer a ampliação das conotações por uma lupa moral e legal. A força ética/moral/legal da emergência energiza-se no conceito de iminente risco de morte evitável. Há pressa porque a oportunidade soa fugaz, há a obrigação com a vida porque ela é fundamental, maximima-se a beneficência e minimiza-se o direito à autonomia porque preservar a chance de sobrevida é preciso. Parada cardiorespiratória, choque e edema agudo dos pulmões ilustram o dever com a celeridade diagnóstica e terapêutica.
Convencionou-se que este imediatismo autoriza o profissional da saúde a dispensar a voz ativa do paciente, muitas vezes com perda da capacidade cognitiva. Ele não pode se recusar ao atendimento, mesmo se assim pudesse ser suposto, por exemplo, após tentativa de suicídio. Assim, precisa ficar bem composto na mente do profissional da saúde este sentido oposto da eletividade que admite um não consentimento – a cabeça do paciente- proporcionador de perda de chance de um bom prognóstico- a cabeça de profissional da saúde.