Na beira do leito, documentação tem um sentido de prova em apoio a um fato, indício que representa e reconstitui. Sua expressão maior é o prontuário que pertence ao paciente, é elaborado pelos profissionais da saúde e fica sob a guarda da instituição de saúde.
A massa documentária cumulativa cresceu na beira do leito. Um direcionamento desenvolvido foi a documentação como prova da manifestação do paciente além do tradicional de suas queixas, história patológica pregressa e história familiar. Adquiriu ênfase ético o registro da verbalização pelo paciente sobre a medicina e as ciências da saúde de modo geral.
A opinião do paciente sobre conveniência da aplicação de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos passou a constar do prontuário do paciente e ganhou um status de fio de Ariadne para eventuais e subsequentes apreciações litigiosas da conexão profissional da saúde- paciente/familiar. Linguagem organizada para o respeito pela ética/moral/legal. Mais especificamente em relação à Bioética, linguagem voltada para a interdependência entre os princípios da beneficência, não maleficência e autonomia.
A beira do leito contemporânea tornou indispensável a integridade de um instrumento de linguagem na beira do leito nomeado como Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que objetiva documentar oportunidades de escolhas, ou seja, situações em que o paciente se posiciona a respeito da recomendação do profissional da saúde.
Sabe-se que nomear algo lhe confere uma identidade que pode subsistir de modo independente de suas razões de ser, ajudado pelo estabelecimento de uma sigla. Acontece com o TCLE, sua burocratização, sua expansão para livre da presença de quem deve esclarecer e para a presunção que uma assinatura é garantia da compreensão.
O desenvolvimento da cultura de atitudes profissionais e sua documentação na beira do leito, integrada ao humanismo como limites exigíveis da ciência, é tema que provoca particular excitação mental à Bioética da Beira do leito. Impressiona a figura do profissional da saúde como Homo documentator, moralmente obrigando-se a substituir as vivências com o paciente e circunstantes por registros de palavras, imagens e sons. Há um tempo precioso gasto com papéis e papelada- atualmente em sentido metafórico em função da documentação eletrônica- e é preciso que o tempo quantitativo não se afaste do tempo qualitativo.
Bioamigo, o TCLE subentende disponibilidade de um tempo quantitativo pelo profissional da saúde com a finalidade de o tornar altamente qualitativo pela compreensão pelo paciente de pontos da medicina de seu particular interesse. O TCLE pode ser dissecado em duas camadas. A primeira é o estrato da compreensão, ou seja, o paciente saber o que está acontecendo, aspecto descritivo. A segunda é a reação ao informado, aspecto interpretativo, expresso no consentimento -ou não.
São duas fases do respeito pela pessoa do paciente. Enquanto que a primeira é uma comunicação de sinceridade profissional, um compartilhamento por apreço humano, a segunda, entretanto, é fruto de uma decisão normativa, um direito-pedágio. Esta distinção precisa ser trabalhada na beira do leito e a Bioética da beira do leito apresenta-se como interessada em prover meios de treinamento.
É do noviciado o repetitivo questionamento do jovem profissional da saúde recém-formado: Concordo que deva informar o paciente sobre o que vai acontecendo, mas porque é necessária a anuência do paciente sobre os procedimentos se ele está doente, nos procurou para o ajudar, chegamos a um diagnóstico, elaboramos uma estratégica de tratamento com todos os recursos e que irá beneficiar sua qualidade de vida e sobrevida? Não há abuso, não pratico violência. Sob que critérios ele poderá escolher que seja feito de outra maneira? Não entendo!