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929- Vacinar ou vacilar (Parte 2)

Neste outubro de 2020, observamos discussões sobre obrigatoriedade versus voluntariedade de submissão da população a uma futura disponibilidade de vacina contra a Covid-19. Exigência e cumprimento em torno de apreciações sobre responsabilidade social, interesse coletivo e grau de confiança individual no benefício/não malefício.

A História registra que uma imposição governamental de vacinação foi imediatamente seguida por um vitorioso movimento anti-vacina obrigatória na Inglaterra no século XIX- tornou-se decisão de responsabilidade dos pais-, e que no Brasil, no início do século XX, deu-se a Revolta da Vacina. Desrespeito à liberdade individual e tirania dos médicos em meio a vieses de comunicação eram argumentos para justificar que a aplicação de vacinas não deveria ser compulsória. Portanto, há dois níveis anti-vacinais: o radical do não uso conceitual e o do critério individualizado para o uso (pais decidem sobre os filhos). Fatores políticos e religiosos têm sido relacionados no conjunto de tores de eventuais influências sobre este tema de alta relevância sanitária.

Vacinar ou vacilar, eis a questão! Tomar ou não a vacina contra Covid-19 no estágio atual das pesquisas sobre qualidade na segurança e na eficácia virou um desafio ao estilo shakespeariano (William Shakespeare, 1564-1616). O racional de prevenir melhor do que remediar na berlinda. A essência de análises que temos ouvido parece reproduzir o atribuído a um político brasileiro (Benedito Valadares Ribeiro, 1894-1973): Eu não sou contra (vacina em geral), nem a favor (da vacina contra Covid-19), muito pelo contrário.

A suposição que o drama trazido pelo novo coronavírus poderia vacinar contra o absurdo de iniciativas antivacinais parece não se confirmar. Predomina a premissa da vigilância à saúde como multitarefa deixando de lado a possibilidade de consenso sobre liberdade de escolha sobre uma teórica eliminação da pandemia. Prato cheio para filósofos que demanda contribuições práticas por outros amigos (filo) do saber (sofia), como os cientistas.

A História da humanidade registra que muitos que posicionaram abertamente o que pensavam foram decapitados. O simbolismo da separação da cabeça do coração interessa sobremaneira à Bioética. As representatividades integradas destes órgãos para a opinião popular estão alinhadas ao conceito que o que muda (a água) persiste (o rio). Assim, as redes sociais atuais fazem rolar cabeças postantes e a cordialidade (cordial vem de cordis, coração) resulta prejudicada. Sem cordialidade, a exposição das dúvidas fica prejudicada e esconder as dúvidas impede chegar ao indubitável.

A Bioética da Beira do leito, entretanto, entende que a exposição de pensamentos diretamente da fonte para o consumidor, rascunhos sem edição, apesar dos riscos da recepção em linha reta e acrítica, é  uma oportunidade para um genuíno conhecimento da condição humana, matéria-prima para quem estiver disposto a compreender contraposições, perceber que flexibilizações são necessidades e reforçar-se à tolerância. Evidentemente, um cenário de respeito deve prevalecer em posicionamentos sobre conscientização versus obrigatoriedade.

O valor de ser transparente sobre si próprio e de compreender o âmago de oposições está presente há 26 séculos nas palavras do general chinês Sun Tzu (544ac-496ac): Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de batalhas. No seu entender, vale muito poder adaptar-se ao inimigo até ter condições para a batalha final.               talvez-300x149.jpg

Uma sintonia com a Bioética pode contribuir para dar abrangência e profundidade a uma discussão racional sobre o tema atual da vacina, muito embora, se note o grande componente emocional presente.

A aplicação dos princípios da Bioética favorece inegavelmente a necessidade beneficente /não maleficente, bem como com equidade, e, em relação à autonomia contribui para a crítica sobre os vaivéns possíveis sobre a responsabilidade individual perante o coletivo.

A Bioética da Beira do leito mentaliza o cenário onde todos recebem um conjunto de esclarecimentos tecnocientíficos sobre as vacinas anti-Covid-19 das autoridades da ciência e da regulação, e assim, conscientizados, decidem consentirem-se à fila da aplicação conforme estruturada.

Para isso, pressupondo que fique inegável a qualidade beneficente/não maleficente da vacina (ponto moralmente básico), a linguagem com sustentação na Bioética é vantajosa para intenções de redirecionamento de comportamentos de referência anti-vacinal. MotoGP-A-Janela-de-Overton-300x101.jpgEm outras palavras, a linguagem da Bioética tem o potencial de produzir forte influência na janela de Overton (Joseph Paul, 1960-2003).

O que se ouve por aí sobre tomarei ou não tomarei vacina enquadra-se no chamado paradoxo de Moore (o filósofo britânico George Edward, 1873-1958). Bioamigo, Moore preocupava-se com o senso comum e ficou famoso analisando a frase Chove, mas acho que não chove. Muitas considerações foram feitas sobre este jogo de palavras, se se trata de um absurdo, que não haveria nem contradição, nem implicação dos termos entre si, que são duas observações distintas, uma sobre um fato, outra sobre um comportamento, na verdade mais um juízo do que duas observações. Nem semântico, nem da lógica, tão somente epistêmico (do conhecimento). No fundo, o que domina é o grau de certeza.

Podemos, então, fazer uma adaptação: Há vacina contra a Covid-19, mas acho que não tem. Nesta consideração, a situação seria de vacina disponível autorizada para uso coletivo, mas o indivíduo, falando na primeira pessoa, entende que o produto não funciona em efetividade e segurança. Rótulo, mas não essência.

Sob o ponto de vista da Bioética da Beira do leito, quem assim se manifesta, não crê numa adequada relação beneficência/não maleficência, aliás, faz uma transposição para não beneficência/maleficência, vale-se da autodeterminação, mas não afirma falsidade no produto “que chove”. Ocorre uma não aceitação da premissa, o que não significa necessariamente inconsistências na mesma. Não acredito, um termo comum hoje em dia para expressar uma surpresa real guarda analogia com o considerado por Moore.

A Bioética da Beira do leito entende que a ciência, legítima e isenta de conflitos de interesse, proporcionará para a vacinação contra a Covid-19 – a transformação de oposições em aceitações. Repercutirá sobre as vacinas em geral.

Espeto obrigatório Sátira sobre a Lei de Vacina Obrigatória 1904 Revolta da Vacina
Espeto obrigatório Sátira sobre a Lei de Vacina Obrigatória 1904 Revolta da Vacina

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