Bioamigo, façamos um mergulho no caso valendo-nos do equipamento da Bioética da Beira do leito e motivados pelo propósito de identificar a calibragem do livre e esclarecido, tendo o lo pressuposto que inexiste um absoluto de 100% e que qualquer percentual reticente tem o potencial de pavio para conflito.
Não nos esqueçamos que formas não muito indutivas fazem acontecer muito do mundo real. Vejamos a água que envolve o tema do iceberg: o hidrogênio é inflamável,
o oxigênio é comburente e o H2O tem efeito oposto. Há muita lição nesta natureza. Uma delas é a necessidade multiprofissional e transdisciplinar de um Comitê de Bioética para apreciar a “química” profissional de uma conexão médico-paciente porventura conflituosa. “Moléculas” individuais raciocinantes inflamadas sobre o princípio da autonomia, por exemplo sobre quantum de liberdade e de esclarecimento, tendem a se rearranjar com equilíbrio sob um efeito do conjunto. Como se diz utilizando um oxímoro, o calor da discussão é maneira de resfriar contenciosos.
Bioamigo, você há de concordar que a eventual menção pré-operatória sobre malefício de infecção+cultura positiva+antibiograma+acréscimo de dias de internação não teria impedido o paciente de autorizar o ato operatório em razão da necessidade bem compreendida… e sentida.
Mas -olha ele de novo para não nos esquecermos dos limites e limitações-, a realização da potencialidade remota, que assim expõe uma fronteira entre beneficência e maleficência, traz no bojo da intercorrência um confronto entre uma objetividade biologicamente justificável e a subjetividade de um juízo de injustificável. Em decorrência, cresce a possibilidade da “perda de grãos” de confiança e a eventualidade de uma não renovação do consentimento ao médico pelo paciente. É a necessidade que acima da frustração e de sentimentos negativos que mantém inócua a “perda de grãos” para a manifestação de um Sim.
Mas, o novo Sim de modo distinto do manifesto no pré-operatório não costuma deixar o paciente plenamente esclarecido, pois poderá estar muito bem informado, mas não conformado.
Não deixa de ter plausibilidade. A cultura da beira do leito inclui o rigor – o tecnocientífico, o da segurança- que pacientes pressupõem bem cumprido, mas – olha ele de novo, aliás, quantas vezes será que falamos mas num dia? -, não pode excluir o incerto, o imprevisível, o diferente. Esta possibilidade é habitualidade que forma calos profissionais no médico, mas, como o paciente não os tem, ele precisa adaptar-se a um estado em que é dominado pelas circunstâncias e que compromete intelectual e moralmente qualquer sentido de direito à autodeterminação. Mas, a crítica persiste ao seu modo de encarar a intercorrência, por isso, o Sim do paciente para o tratamento da mesma pode ser visto como um pseudoconsentimento alinhado a uma razão que fica pouco esclarecida para um leigo desacostumado com as incertezas da beira do leito.
De modo reducionista, colecistectomia significa retirar a vesícula por um procedimento corriqueiro, um referencial de uma racionalidade tecnológica relativamente simples. Mas, não é fácil associar esta “simplicidade” tecnológica de um “pulo de ida e volta ao hospital” resultante da qualidade adquirida pela medicina com a complexidade do ecossistema em que ela se insere, onde bactérias, por exemplo, coexistem no próprio paciente além do ambiente e podem se translocar e provocar infecção hospitalar, um acidente no pulo.
Por isso, toda a dramaticidade que envolve o significado operacional da linguagem do esclarecimento visando ao consentimento esclarecido. É um processo educativo rápido sob alicerces frágeis sobre ditos e não ditos com potencial de se tornarem bem ditos, benditos, mal ditos e malditos. A Bioética da Beira do leito inquieta-se.