Na pandemia, tornamo-nos exageradamente sensíveis ao tempo, cada um quantificando e qualificando o passar dos dias a sua maneira. Reforçamos a ideia de Immanuel Kant (1724-1804) que o tempo seria uma forma de nossa intuição.
A expressão subjetiva de sessenta minutos difere se estivermos jogando dominó descontraidamente ou aguardando a vez, ansioso para ser atendido pelo médico.
Sucedem-se e renovam-se em ordens diferentes apreciações do novo cotidiano como tempo perdido, tempo para resgates, tempo para repensamentos, tempo para uma solução. Até há poucos meses, era o tempo que nos tinha passageiros afoitos do ponteiro das horas. Agora contemplamos o modorrento tique-taque. Mais tempo aguardando sugestões de uso.
Ganhamos a possibilidade de virar mais um a ser acrescentado mais ou menos anonimamente para compor manchetes-estatísticas alarmantes diariamente renovadas. A reboque do crescente foco em matemática, somamos dias, multiplicamos horas e dividimos o tempo.
Na expectativa da eficiência da alta tecnologia, cumprimos um ritual pretensamente eficaz com baixa tecnologia: máscara no rosto e um quarteto da letra A: Água corrente, Álcool em gel, Arejamento, Afastamento. A prevenção para evitar tornarmo-nos um número de leito numa UTI.
Não dá para eliminar a ameaça, preservar-se dos impactos e reestabilizar as inter-relações afetadas apertando um botão sanitário, borrifando o ar com algum higienizador de ambiente, fazendo passes de mágica, cercando com arame farpado, repousando sob uma macieira para reproduzir-se um Isaac Newton (1643-1727), raciocinando e atuando como o reverendo inglês Edward Stone (1702-1768) que há uma divina colocação de remédio junto à doença e assim descobriu o polivante ácido acetil salicílico na casca do salgueiro num pântano causador de febre do pântano, ou negar que é um Homo sapiens. A redundância de linguagem de encarar de frente ficou mais compreensível na medida em que passamos a ter que encarar a pandemia evitando o face a face.
Logo percebemos as deficiências para o momento dos processos cognitivos habitualmente utilizados para a sobrevivência e o bem estar, mas, rapidamente, sondamos nossas reservas mentais como nos ajustar. No retiro da rotina, percebemos prontamente as repercussões para a saúde física, emocional e econômica, como somos subjugados, como nos angustiam a sensação de parceria e cumplicidade dada pelo contexto do contágio. Um trágico avesso do alto valor da interpessoalidade entre seres humanos.
As projeções são cenários de calamidade pública em meio a distintas percepções sobre o significado de liberdade e de fronteiras. A poluição ambiental exala um luto antecipatório até então restrito a atmosferas de casos de terminalidade da vida.
Há um forte efeito Orloff provocado pelas sucessivas descargas obituárias na mídia.