A pandemia alçou os profissionais da saúde condição de heróis, e de transmissores da doença também. Distintas qualificações da mesma pessoa tendo a porta do hospital como linha demarcatória. A contraposição tem justificativas, o conceito de heroísmo é muito pessoal e as agressões são exaltações de momento. Na pandemia, entretanto, qualquer ligação do valor da vida com glória ou com exagero é fugacidade. O mais propício apreço da população pelo profissionalismo na área da saúde deve estar configurado num símbolo marcante: disponibilidade de equipamentos de proteção individual e respeito ao profissional.
Perguntamo-nos incessantemente se teremos um encontro com a Covid-19, mas o advérbio que mais cabe é quando. A simbólica mão que dava a fortuna do ouro ao rei Midas dá o infortúnio do contágio. Mas, pelo menos nossas mãos podem ser higienizadas e as do rei Midas não tinham nenhuma possibilidade de mudança adaptativa, na hora de se alimentar, por exemplo. Álcool em gel tornou-se precioso.
Não se pode afirmar que ocorre algo como um incêndio a ser logo debelado. Acontece é o inferno. O medo do que se ignora cria um imaginário diabólico. A personificação de efeitos malignos num vírus – o diabo está solto- com suas três faces- viral, inflamatória e sistêmica- que faz a humanidade viver num círculo dantesco (Dante Alighieri, 1265-1321).
Como é que se vencem invisibilidades? Como se subjuga um poder desconhecido? Como se resguarda de previsões aventureiras? A estratégia aconselhada é iteração e acumulação pela ciência, a tradição das ciências da saúde com apostos inovadores para pensar, sentir e atuar na nova situação.
Provavelmente, alguém muito angustiado já deve ter sonhado que a Terra sofreu um tornado e foi parar num outro cosmos e como na história de Lyman Frank Baum (1856-1919) a humanidade encontrou um Mágico de Oz que lhe fez ver que tinha a capacidade para retornar para casa, o que na presente situação significa devolver-se à ciência. Evidentemente, ninguém está batendo os sapatos como Dorothy, pode voar vírus, mas o simbolismo é forte.
Vale lembrar Jules Henri Poincaré (1854-1912): ciência são fatos, assim como casas são feitas de pedras, ciência é feita de fatos; mas uma pilha de pedras não é uma casa e uma coleção de fatos não é necessariamente ciência.