Vamos lá com a Rainha Vermelha. A frase-referência é “Alice, pois aqui, como vê, você tem de correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar”. Quem fez analogia com uma hipótese sobre a evolução das espécies foi o biólogo estadunidense Leigh Van Valen (1935-2010).
Surge, então, a noção de ecossistema. Segundo a hipótese da Rainha Vermelha haveria um processo de evolução das espécies como um jogo com soma zero. Assim, cada aperfeiçoamento evolutivo de uma espécie de partícipe no ecossistema convive com a redução de outra que compartilha este mesmo espaço e vice-versa. Podemos mentalizar, pois, um processo sequente de perdas e de recuperação em prol da sobrevivência. Aplicável ao ecossistema da beira do leito em situações infecciosas – como na pandemia atual- onde deve ser enfatizado o componente biótico.
Abrindo um parênteses, antes da pandemia atual, manchetes sobre mudanças climáticas dominavam preocupações sobre a sobrevivência do ser humano. Esta influência abiótica no ecossistema é chamada de hipótese Bobo da corte – figura grotesca que fazia os reis e rainhas rirem e ouvirem o que o povo desejava dizer à corte- porque está do lado de fora, não segue regras e é inesperado. Parênteses fechado.
Os oponentes precisam manter-se em modificação como contra-resposta da interação biótica. O vírus “corre” para mutações e o ser humano “corre” para defesas imunitárias. Enfatizando, uma corrida armamentista “para ficar no mesmo lugar”.
O ecossistema da beira do leito inclui, entretanto, outros componentes como uma abiótica tecnociência e uma biótica de profissionais da saúde que contribuem para intervenções visando a “ficar no mesmo lugar”. Embora sejam inevitáveis corridas de um lado para outro em busca de eficácia apenas presumida ante a escuridão de conhecimentos, duas se destacam pela real expectativa de ser bom para o ser humano – a medicina que cuida do infectado- e ruim para o vírus – a estrutura para desenvolvimento de vacina.
Enquanto se aguarda a modificação do ser humano pela vacina específica, um salto darwiniano (Charles Robert Darwin, 1809-1882), estratégias visando a um equilíbrio favorável na vida de cada um acontecem. Podemos ativar a transdisciplinaridade e buscar na matemática aplicada a Teoria dos Jogos, que já foi utilizada na evolução das espécies por seleção natural, inclusive.
A analogia é que objetivos dependem não somente do que um indivíduo faça, mas também do que os demais irão fazer, incluindo estratégias diferentes muito embora com pretensões comuns. Na esteira do conselho do Professor Décourt, podemos recorrer à Teoria dos Jogos e matutar sobre o Dilema dos Prisioneiros – termo perfeitamente válido para a nossa atualidade. É exercício que provoca fortes reflexões ao trazer a ideia que trair é melhor do que cooperar.
Evidentemente, o significado de trair precisa ser bem ajustado às circunstâncias da pandemia levando em consideração uma intenção de benefício mútuo, ou seja, que a população receba vantagens e redução de desvantagens, o que implica na possibilidade de múltiplos equilíbrios de Nash (John Forbes Nash Jr “Uma Mente Brilhante”, 1928-2015), além do original.
O leque de cenários é amplo, com intenções e comportamentos de cooperação e de egocentrismo. Há também neste ecossistema, o biótico representado por aqueles que são obrigados a cooperar com a manutenção de todos, como os profissionais da saúde e de serviços essenciais em geral.
Apenas como exercício mental, se todos entendessem suas rotinas como “essenciais”, o equivalente a “trair-trair” (cada um por si), teríamos a probabilidade de uma rápida adaptação do ser humano pela chamada imunidade de rebanho. Obviamente, não faltariam morbidades e letalidades. Se, ao contrário, todos se comportassem como “colaborar-colaborar”, ocorreria certa contenção do contágio com perspectivas de maior duração da pandemia- até a vacinação. É circunstância onde movimentações inevitáveis mesmo de forma contida não impedem morbidades e letalidades.
No desenvolvimento do dilema, embora haja a possibilidade de sair livre, os riscos de uma pena alta em função do comportamento do outro prisioneiro faz com que seja mais aconselhável uma decisão “intermediária” (5 anos) entre a que seria a melhor (livre) e a que seria a pior (10 anos). Ou seja, trair-trair. Na verdade, ambos confessarem, o que ameniza a semântica de trair.
Vem a pergunta: Mas ao contrário dos prisioneiros, a população não pode combinar uma cooperação vantajosa entre si? Sim pode! Mas aí entra em jogo a confiança, o quanto haveria de “traição” zero? O quanto o individual será de fato sacrificado em prol do coletivo?
Que venha logo a vacina! Para tudo ficar no mesmo lugar…