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887- Palavras fluem na busca do consentimento (Parte 4)

Bioamigo, você há de concordar que inexiste beira do leito silenciosa. Ela não pode dispensar a linguagem. Atividades e realizações seriam impossíveis como atos humanos. Homenageando Ludwig Wittgenstein (1889-1951), podemos ajustar seu sétimo aforismo “sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar”, ante a necessidade da informação para não podendo se calar, o médico precisa verbalizar seus pensamentos numa forma mais inteligível e que não soe absurdo para o paciente. Assim, o compartilhamento de modos de entendimento de outros saberes promove comparações úteis para a promoção da compreensão entre ser médico e o estar paciente numa circunstância onde, comumente, a dignidade é posta em xeque.

Na disposição para a obtenção dos fins cogitados na beira do leito, pensamentos de outros contextos – com suas palavras típicas- prontificam-se a dar uma organização lógica à interação comunicativa. O médico que se preocupa com o esclarecimento busca importar a linguagem de outras ciências e, desta maneira, transmitir ideia análoga pela vantagem didática dos pensamentos transferidos.

O espírito original dos termos adquire uma conotação metafórica que dá guarida a pontos de referência do raciocínio que se deseja apresentar e amplia a chance de assimilação da perspectiva do que será dito. Paradoxalmente, o sentido original desaparece e se mistura numa expressão essencialmente médica. Em geral, uma sessão de esclarecimentos visando ao consentimento na beira do leito reúne mais de um ambiente “estrangeiro” de fundamentação do palavreado médico. A conjugação a habitualidades do paciente, como as profissionais, por exemplo, ajuda a fazer um constructo linguístico – esportivo, da engenharia, do direito, da informática-  para maior objetividade compreensiva.

Mas, sempre tem um mas, transposições didáticas de contexto podem servir para escapatórias evitações de dizer com “todas as palavras”, passar superficialmente pelo ponto de interesse, ou, então, lamentavelmente,  servir para iludir o paciente, quer com boa-fé compassiva, quer com má-fé antiética – o que é, felizmente, incomum.

Uma analogia ilustrativa do pensamento auxiliar “importado” na beira do leito é o associado à instabilidade de escoamento (hidrodinâmica). Assim como na beira do leito, escoamentos turbulentos precisam ser bem apreciados e diferenciados em relação aos escoamentos laminares. Como se sabe, é difícil um esclarecimento que resulte entranhado isento de alguma inquietação emissora e/ou receptora.

O médico pretende, comumente, dar um escoamento cadenciado a suas informações com o objetivo de subsidiar matéria-prima para o consentimento consciente do paciente. Ele aprende que deve ter cuidado expositivo para resguardar o escoamento das palavras de perturbações na interpretação com potencial de se amplificarem e produzirem turbulência na mente do paciente.

As palavras fluem e formam um continuum entre médico e paciente, algo como uma tesoura cortando, idealmente, como uma força adiante e pouca contrária em mesma direção, ou seja, no que no escoamento de fluido é denominado de tensão de cisalhamento. O avanço deve resultar em esclarecimentos, e as eventuais instabilidades na movimentação ocorrem em graus desde imperceptíveis até a geração de verdadeiro caos.

Na esteira dos atritos, conflitos médico-paciente podem ser gerados. Por isso, é útil o médico ter em mente a noção de arrasto do escoamento de líquidos e adotar para a estratégia da comunicação o significado da resistência aos movimentos, bem como das variáveis da fluidez: velocidade média (da exposição), raio do tubo (capacidade cognitiva do paciente) e viscosidade (seleção do palavreado).

Em resumo, táticas de  prover circunstâncias humanas individualizadas ao par informação/esclarecimento contribuem para aproveitar o sentido do Relatório Belmont da pesquisa para a assistência: o respeito pelas pessoas incorpora a convicção ética que todos devem ser tratados como agentes autônomos (respeito a opiniões e escolhas a salvo de obstruções claramente prejudiciais a outros) e a convicção ética que aqueles com redução da autonomia devem ser protegidos.

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