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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

872- Linguagem e Bioética (Parte 5)

A Bioética da Beira do leito adverte que a linguagem principialista carrega imprecisões. Beneficência e maleficência são atributos do método, dá uma essência, uma qualidade, mas não uma precisão de realização. O benefício ou o malefício só acontecerá -ou não- após a aplicação. Assim, a beira do leito convive com evidência-base e com resultado-evidente. Os termos beneficência, maleficência e malefício não constam no Código de Ética Médica vigente. O termo benefício consta em quatro princípios fundamentais e em nenhum artigo.       Beneficio1

Ocorre um domínio da medicina baseada em evidências. Evidência é interpretação e qualificação do dado científico, é um atributo. Ao juízo da constatação científica (dado) agrega-se um juízo de valor. Os pesquisadores concluem e publicam passando pelo filtro da editoria. O poder da sociedade de especialidade, fundamentado por meio de um comitê, analisa o status de aproximação da verdade por uma mescla de profetismo (no sentido de um bem, um valor por vir a ser bom para o paciente) e dogmatismo (no sentido de a verdade a ser oferecida ao paciente), cuja reunião no âmbito da ciência perde os significados corriqueiros e ganha o de potencialidade de se realizar.

Esta potencialidade provoca um movimento. Ele inicia-se na interpretação de utilidade e eficácia e via diretrizes clínicas dirige-se para o médico como uma representação mental de beneficência, a seguir repassa-se ao paciente que processa o conhecimento ao seu modo de ver beneficência e maleficência, resultando o consentimento ou não à plausibilidade da interpretação científica. Assim, a evidência científica validada fica em suspensão sobre a beira do leito aguardando a precipitação – ou não. A Bioética presta atenção.

Há uma inquietação habitual na iminência de um Sim ou Não do paciente. Suponhamos um médico experiente e um paciente tábula rasa sobre as informações. O médico verbaliza o método recomendado, o paciente desconhece o procedimento mas aceita a sua existência. Deu-se uma forma de comunicação que limitou a medicina ao necessário. Foram palavras com significados e um sentido pragmático, portanto linguagem que ligou duas consciências.

Observado do lado paciente, o seu subjetivo recebeu um objetivo e precisa a ele se adaptar para dar a resposta. Sendo um papel em branco, o paciente pode simplesmente imprimir o dito pelo médico e “assinar em baixo” sem nenhuma atuação reflexiva – não levar para o campo do pensamento- ou pode submeter ao processamento de ideias. Tanto melhor quando as matérias-primas são fornecidas pelo médico com clareza/distinção/realidade/veracidade. Inclui que a medicina sabe até certo ponto e por isso a probabilidade que tanto perturba o objetivo tem que fazer parte da linguagem.

As ideias do paciente que dão movimentação mental ao dito pelo médico sofrem influências da memória – que pode desarquivar analogias-, imaginação – que extrapola-, do desejo- que exige liberdade-, da dúvida – que cria tensão-, e culminam num julgamento e na escolha dos pensamentos que irão sustentar a resposta (consentimento ou não consentimento). O legítimo processo de consentimento dito livre e esclarecido, apesar das ressalvas sobre de fato liberdade e esclarecimento é trabalhoso, labiríntico e promotor da humanização da ciência.

A Bioética da Beira do leito enfatiza este poder da linguagem na beira do leito, intenções e repercussões, e alerta para a necessária conscientização que o seu uso inadequado é entrave ao conhecimento e ao pensamento para as ideias do paciente a ser beneficiado.

A inquietação natural do paciente na tomada de decisão costuma ocorrer além do peso da responsabilidade sobre o Sim ou o Não, na esteira de muitas influências, que incluem o grau de sofrimento pela doença, opinião de familiares e aspectos econômicos. Esta consideração indica que a adjetivação de livre ao consentimento do paciente é criticável, pois liberdade denota a capacidade de executar a preferência. Exemplificando de modo bem simples, o paciente no seu íntimo não deseja passar pelo risco do procedimento recomendado, mas o que acontece com o seu corpo faz com a mente suspenda este desejo, ou seja, a perda do comando da mente significa perda da liberdade, ipso facto, o consentimento não se dá exatamente livre.

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