Imagine, bioamigo, você chega ao hospital onde cuida de seus pacientes e lê em novos cartazes afixados em vários locais: Enfermo, você deve implícita obediência às prescrições médicas, não lhe é permitido alterar de maneira alguma o que o médico creia necessário impor-lhe.
Será que pensará: ótimo, agora terei liberdade para cuidar do paciente da melhor forma possível, só preciso pedir que ele confie na minha competência. Até poderá pensar, supor por um instante que o consentimento livre e esclarecido foi eliminado, mas logo acordará, estava sonhando.
O sonho proporcionou uma regressão ética de 90 anos. O Código de Moral Médica de 1929 continha o preceito de recomendação ao público em benefício do enfermo e da harmonia que deve reinar entre o grêmio médico: 8º- O enfermo deve implícita obediência ás prescrições medicas, as quais não lhe é permitido alterar de maneira alguma. Igual regra é aplicada ao regime dietético, ao exercício e qualquer outras indicações higiênicas que o facultativo creia necessário impor-lhe.
Desde então, abusos terríveis aconteceram em algumas partes do mundo no campo de uma autointitulada pesquisa e geraram a difusão do princípio da autonomia visando à evitação. Da pesquisa, a manifestação do consentimento expandiu-se para a assistência.
Em outras palavras, abusos na pesquisa clínica levaram a normatizações do uso clínico na assistência, menos por preocupações com violências fisicamente danosas e mais pelo respeito humano contra violências morais em sintonia com modificações na sociedade.
Estabeleceu-se uma nova linguagem na beira do leito, o médico passou a recomendar beneficência/não maleficência criteriosa e o paciente a ter voz ativa sobre sua ideia de benefício/malefício, precedendo a aplicação eletiva. A Bioética da Beira do leito chama de semáforo ético da beira do leito.
O nosso idioma entende sinônimos os termos permissão e consentimento. A Bioética da Beira do leito distingue, entretanto, permissão de consentimento. Permissão não subentende a possibilidade da negação – no teatro, dá licença de entrar para sentar na poltrona no meio da fileira é uma solicitação de permissão entre pessoas educadas – como ocorre com o consentimento – poderíamos trocar de lugar?.
Não faltam momentos de consentimento na medicina contemporânea, relacionamos uma dezena:
- Da pesquisa sob a forma de evidência para validar a assistência;
- Dos membros de elaboração de diretriz entre si para inclusão em diretriz;
- Do voluntário de pesquisa para o pesquisador;
- Do paciente para o médico aplicar um método;
- Do bulário farmacoterapêutico de instituições de saúde para o médico prescritor;
- Do Plano de saúde para um procedimento;
- Do hospital para o médico nele se credenciar;
- Do paciente para o médico revelar informações sigilosas;
- Dos valores do paciente para sua tomada de decisão;
- Do Código de Ética Médica para o ato profissional.