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847- ASsim e SEnão (Parte 1)

Crescemos pessoal e profissionalmente reforçando que o possível realiza-se pelo querer. Na beira do leito fica nítido como a necessidade cruza com o desejo e com o dever. Necessitar, querer, dever e poder provocam várias combinações no planejamento e na aplicação dos métodos em medicina e ciências da saúde.

Concorrem na sustentação do desejo uma falta – desejo por levotiroxina pela necessidade de corrigir o hipotiroidismo-, uma esperança – desejo pela melhora dos sintomas da baixa do nível hormonal- e uma potência – desejo como força para buscar o que falta e concretizar a esperança.

O não desejo (submeter-me à recomendação) proferido pelo paciente é um avesso do que a medicina representa para o médico. É resposta indesejada, frustante e desanimadora, algo como ver apertado o botão off da confiança na tecnociência. Não é fácil para o profissional da saúde aceitar que há desejos diferentes para mesmos objetivos de saúde, deixar no piloto automático a passagem das diretrizes clínicas pela autonomia do paciente na beira do leito.

A Bioética põe naturalidade no fato de o paciente que se dispõe aos exames fazer, ao mesmo tempo, um autoexame sobre como responderá às etapas orientadas pelo médico. Ele passa a conviver com uma nova ordem de obrigações que exige sua crítica para conjugar necessidades do corpo com desejos – ou indesejos- da mente.

A idealidade da prevenção secundária ilustra bem como a necessidade pode ser satisfeita- normalização do índice de massa corpórea, por exemplo- mas requer que o chamado do desejo persista – respeito duradouro à reeducação alimentar. Chamamos, habitualmente, de força de vontade, porque vontade é desejo+ movimento em direção ao almejado.

A Bioética da Beira do leito interessa-se pela interação entre necessidade e desejo. Enxerga valor na consideração que no modo necessidade o paciente ainda é um pré-beneficiado, porém o desejo já provoca uma relação simbólica com o método cogitado, ou seja um ausente na realidade real de alguma forma faz-se presente numa realidade imaginada, esperança. A inclusão da esperança na beira do leito faz querer, faz consentir.

O médico esclarece tecnicamente necessidades e o desejo do paciente faz capturas cognitivas. O desejo, então, vale-se de alguns filtros do bem e do mal – confiança na equipe, oportunidade do benefício, prognóstico, impacto de adversidades entre outras- e aciona o consentimento ao recomendado – ou o indesejo não aciona. Fica mais fácil cuidar da tensão do desejo para a resposta quando o paciente já é experiente no procedimento, pois a memória de certa forma contém a imaginação nômade e provê uma pré-configuração mais realista.

É do imaginário otimista do profissional da saúde a beira do leito cenário de necessidades e palco de desejos com comportamentos equilibrados na triangulação paciente-familiar- profissional da saúde. Até há poucas décadas, o paternalismo sustentava a conformidade pela subjugação de eventuais indesejos do paciente à autoridade do médico tutor das necessidades sob aval da deontologia, conforme pode ser exemplificado em artigos do Código de Moral Médica de 1929.

1929cccccA expectativa contemporânea é que aconteçam pares de atenção necessidade/desejo exemplares, o que exige adaptações recíprocas em proporções variáveis.

O conceito de ajuste é essencial porque, se por um lado, podemos mentalizar uma idealidade de paciente/familiar/profissional da saúde num triângulo equilátero com seus ângulos os mais próximos entre si, no mundo real da beira do leito há muitos3tRIANGULOS triângulos isósceles e escalenos, quer porque não poderia ser diferente – por exemplo, uma família afastada, um médico desinteressado- quer porque o sistema de saúde assim provoca.

As tensões pelas responsabilidades a que cada partícipe se atribui extrapolam quando as conexões (os lados do triângulo) se “destriangulam mentalmente”, lados se percebem como que soltos, manifestando o paradoxo da sensação de estar sozinho embora interligado.

Esta representação é mais forte no vínculo paciente-profissional da saúde, mas perturbações nos vínculos com familiar podem ser motivo de preponderante para gerar um descontrole na beira do leito. Quem já vivenciou família opositora conhece bem o potencial de cataclismo.

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