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835- Talvez e bom senso na ética da beira do leito (Parte 5)

A hierarquização dos potenciais efeitos adversos de um método provoca um vaivém do raciocínio do paciente que pode vir a distorcer o sentido favorável cogitado e faz dele o avesso do avesso.
O recolhimento recente da ranitidina pela contaminação por um sal cancerígeno ilustra como o potencial de malefício fala mais alto do que uma rotina de prevenção gástrica alinhada ao temor de imprudência caso não acompanhe a prescrição de algum medicamento.
Do ponto de vista histórico, o valor contemporâneo dado ao direito ao exercício assistencial da autonomia pelo paciente na beira do leito provém da pesquisa clínica que testemunhou violências ao voluntário de pesquisa, na verdade um então eufemismo. Representa atestado inequívoco da força decisória atual dos males embutidos, antagônica às pretensões de benefícios, em qualquer tipo de prescrição médica rigorosamente ética. O talvez energiza desde sempre a beira do leito!
Na labuta da preservação da eticidade na beira do leito, o médico, comumente diante de múltiplas escolhas, acostuma-se a lidar com as arestas profissionais reconhecendo-as fontes de talvezes. Na rotina do observa/pratica/aprende, ele percebe que é essencial para a espiral ascendente da maturidade profissional, nem sempre constante dos catálogos prêt-à-porter do desempenho ético, instar-se a um misto de artesão, arquiteto e alfaiate no ecossistema da beira do leito.
Ao valorizar que certas tomadas de decisão dependem de si, o médico admite naturalidade (leia-se dissocia-se de recomendações heteronômicas na medida das possibilidades) na utilização de uma ferramenta multiuso forjada no seu caráter/personalidade/temperamento e que responde pelo nome de bom senso. Faz dele conselheiro íntimo para lidar com os talvezes da beira do leito. Facilita equilibrar razão e sabedoria e, ultimamente, acresceu utilidade para discernir entre informações verdadeiras e falsas.
O termo bom senso é invariável, ou se tem ou não tem. Não há um pouco mais ou um pouco menos, até porque inexiste os termos mau senso ou ótimo senso. Não dá para quantificar a partir de qual limite de consideração alguém passa a ter bom senso ou deixa de ter.
Na ética médica, o bom senso faz parte da prudência e comunga com ela a suposição da incerteza, do risco e do acaso, componentes cotidianos da complexidade da beira do leito. Quantas vezes o bioamigo já ouviu um juízo de imprudência sobre um médico com a observação que faltou bom senso! Inclui-se na arte de aplicar a ciência e como tal não deve ser deixada no banco mesmo quando o time está ganhando.

Embora não dispense outros atributos em tomadas de decisão para lidar com os talvezes, um aspecto vantajoso da capacitação em bom senso é sua associação com a simplicidade. O simples, como disse oscar wildeOscar Wilde (1854-1900), é o último refúgio da complexidade, escape quando a confusão impera, o que, diga-se de passagem, é salutar para que, por meio do bom senso, se evitem certas tendências a obstinações a que as diretrizes clínicas induzem, quando utilidades metamorfoseiam-se em futilidades para o caso, como na terminalidade da vida. No dizer da Bioética da Beira do leito, o bom senso na beira do leito prepara-se desde o senso comum no ecossistema da beira do leito.

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COMENTÁRIOS

2 respostas

    1. Olá Aurélio. De fato, uma visão impositiva das diretrizes clínicas prejudica a permanência dos talvezes na pauta decisória, por isso, cabe à Bioética da Beira do leito alertar que as recomendações de diretrizes clínicas, especialmente as IA/IIaA, são talvezes numa escala mais alta de proximidade de certeza, mas ainda talvezes.

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