Os médicos que cuidam das morbidades crônicas do paciente e o médico que passou a cuidar da urgência na situação clínica mencionada formam uma rede de objetividades, subjetividades e interpessoalidades.
Cada um representa um trançado de estratégias de interpretação próprias de suas experiências organizadas nas especialidades médicas, ou seja, contribuem para o caso moldados conforme suas comunidades de interpretação.
A Bioética da Beira do leito entende que a rede assim trançada transforma-se numa comunidade de interpretação específica do caso – qual um grupo de WhatsApp-, com denominador comum imerso numa ampla análise crítica sobre razões para atuar de um jeito ou de outro, ou seja, embebido de ética. Os comportamentos que acontecem sinalizam a moralidade do time assim reunido.
A congregação das várias comunidades de interpretação profissionalmente representadas como uma comunidade de interpretação caso-específica faz com que pensar, sentir e cogitar atuar de cada disciplina sofra rearranjo coletivo.
O estímulo exterior da circunstância do paciente induz uma ansiedade interna, que, ao mesmo tempo que afasta nocivas indiferenças e impulsividades profissionais, dá vigor ao como, o que e o quando providenciar potencialidades válidas para a solução.
Pensamentos e sensações, por exemplo, de neurologista e pneumologista apreensivos com a gravidade das enfermidades a eles atinentes e com laços mais antigos com o paciente catalizam os de, por exemplo, cardiologista com a responsabilidade de decidir sobre a urgência lidando com um desafio profissional que por mais que compartilhe mesmos CIDs com prévias experiências é único se visto pela óptica dos detalhes.
A prudência é balizada pelos valores atraídos para a nova comunidade de interpretação e compõe a força motriz contemporânea que valoriza o contato com demais comunidades de interpretação como a do paciente, a de familiares e, também, com a de outros profissionais a serem eventualmente convocados para aplicar os procedimentos com expertise para maximizar segurança para o paciente.
A virtude do conhecimento e o valor do desejo em prol da reversão da urgência criam tensão na consciência profissional e fervura emocional no caldeirão decisório abrasador. A temperatura do profissionalismo sobe pelos atritos das pressões variadas, expectativas suportáveis ou não e incertezas dominantes. Urge uma reguladora frieza profissional, tão associada aos médicos, para equilibrar movimentações com legitimidade e credibilidade para fechar o leque de opções de conduta, numa dose que, entretanto, não comprometa a empatia entre as comunidades de interpretação envolvidas.
Em decorrência das vulnerabilidades biológicas do paciente, qualquer decisão será, invariavelmente, um queijo suíço, os buracos representando os danos cogitáveis, pois como nos legou Aristóteles (384 ac-322 ac) é possível cometer falhas de vários modos, enquanto que o sucesso é possível apenas de um modo. Após identificar os buracos dos potenciais malefícios, é essencial, então, cuidar para os desalinhar e prover a segurança possível para a circunstância do caso.
Hipócrates (460 ac-370 ac) não poderia faltar. Se a vida é breve, a ocasião é fugaz, a experiência é vacilante e o julgamento é difícil como ele afirmou, e como o verbo decidir origina-se em parar de cortar (opções), são os cortes pelos malefícios que dominam o período de tempo do processo contemporâneo de tomada de decisão em casos de extrema gravidade agora passíveis de conjecturas sobre benefícios.