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819- Ansiedade ética

A beira do leito convive com uma ansiedade ética pela harmonia entre o correto da teoria e o humano da prática, uma conciliação historica e negativamente influenciada por abusos, má-prática, incompetências, conflitos de interesse, charlatanismo. Em decorrência, chegou-se à incômoda situação de o paciente vir a necessitar se defender do médico com armas de restrições éticas e legais.

O cenário de desconexão médico-paciente mais habitual, fonte da ansiedade ética, entretanto, não é o da má-fé, trata-se da discordância da boa-fé do médico por razões pessoais do paciente. A beira do leito – que como o prontuário pertence ao paciente- tem senha pessoal de acesso.

O (não) consentimento do paciente à recomendação médica assistencial, expressão do direito à autonomia, momento estratégico no processo de tomada de decisão na beira do leito migrou da pesquisa clínica no decorrer do século XX pela inquietação com o equilíbrio entre riscos e benefícios dos métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos validados na óptica do paciente.

O racional do (não) consentimento compreende o direito do paciente de ser informado com boa-fé a respeito das potenciais vantagens e desvantagens de uma intervenção sobre a história natural da doença, de ser ouvido acerca de suas preferências, desejos, objetivos e valores, de escolher opções mais radicais ou ajustes e de, especialmente, sentir-se seguro contra danos impossíveis de serem desprezados.

Ao exercer a tríade do pensar, sentir e se expressar livremente na tomada de decisão, o paciente costuma responder aos esclarecimentos do médico ou que entende como proposição tecnicamente válida e pessoalmente aceitável, ou como proposição tecnicamente válida mas pessoalmente inaceitável, ou como proposição nem válida nem aceitável. É a ordenação que dá as dimensões entre o consentimento total até o não consentimento irredutível.

O habitual desnível de conhecimento entre médico e paciente faz com que o processo de esclarecimento do médico ao paciente torne-se a passagem de uma linguagem emitida para outra linguagem captada, há uma tradução que provoca variações de semântica, enquanto o médico interpreta do método a decidir para o resultado intencionado, o paciente interpreta do resultado desejado para o método pretendido. Desta maneira, as muitas indeterminações reais e imaginadas constituem caldo de cultura para a proliferação de influências de circunstantes e da própria memória, mais comumente de supervalorização de potencias adversidades sobre a tomada de decisão do paciente.  Em outras palavras, a doença como dano maior na interpretação do médico fica substituída pela iatrogenia na interpretação do paciente, evidentemente a ser respeitada, mas também a ser trabalhada pelos adeptos do paternalismo brando.

Se entendermos que são as circunstâncias mórbidas que recomendam o método e o médico é aquele que faz acontecer após autorização do paciente, se as realizações da medicina serão sempre recriadas de alguma forma antes da aplicação por eventuais ajustes e depois pelos efeitos individualizados, deve-se considerar que o exercício da medicina contemporânea, pensar e realizar, representa ou o médico satisfazendo a medicina e fazendo com que o paciente vá ao encontro da mesma aceitando adaptar-se, ou o médico satisfazendo o paciente e fazendo com que a medicina vá ao seu encontro com limitações.

A Bioética da Beira do leito apóia a conexão médico-paciente sustentada pela naturalidade do encontro, vale dizer,  a que se torna valorizada por maximizar o mútuo entendimento acerca de expansões e limitações pelas ópticas da ciência e do humanismo.

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