O momento pandêmico é de prioritária atuação na beira do leito em face dos casos graves. Impossível o bate-pronto, as circunstâncias pedem corrigir, recorrigir e assim avançar. Tal qual o buraco, quanto mais nos aprofundamos, mais dá a sensação da dificuldade de sair. Otimismo com realismo.
Mas há que se deixar um espaço para reflexões, pois passada a situação perdem-se os incômodos – é a tendência- e a volta à rotina tão ansiada favorece – e até requer- esquecimentos dos transtornos.
Vamos dar um rewind na memória, poucas semanas. Preocupações, prioridades, desejos, de repente ficaram congelados pelo medo de adoecer com incógnita gravidade logo já. Quando o fumante acende o cigarro, o dislipidêmico persiste glutão e o homem por sua próstata e a mulher por suas mamas negligenciam exames, eles não estão exatamente pensando em iminência de um diagnóstico apavorante.
Um vírus aterrorizante, onipresente, serial killer estabelece um vínculo indesejado e desafia a humanidade, a imortalidade de Hipócrates e a medicina baseada em evidências. Todos capturados de alguma forma e precisando de reformulações do humanismo.
Não há fortes, 100% estão vulneráveis, hipocondríacos, com corpo e mente duelando, respirando literalmente o micróbio e percebendo que pegar uma doença inclui a ajuda das mãos. Somos todos um medo só de uma forma que nunca se pode estar preparado.
Corroemos, metáforas adaptam com grande diversificação, estatísticas são fonte e alívio do desespero. A Bioética ganha um capital simbólico.
O universo da Saúde teme uma situação Kafkaniana (Franz Kafka, 1883-1924). Das trevas surge a mistanásia, a morte infeliz, indigna, sem assistência adequada, vedada pelo nosso ordenamento jurídico e associada a insuficiência de recursos – humanos, insumos, tratamentos hospitalares. O trágico é que a mobilização do atendimento para a pandemia traz a metáfora do cobertor curto para a rotina dos muitos CIDs em nosso país.