Este ano de 2020 sem cor que apaga o colorido das campanhas mensais de conscientização sobre determinadas doenças ficará marcado pela capacidade de um micróbio causar mudanças- um poder.
O seu poder em potencial sobre um tempo futuro rapidamente já chegou na dimensão da realização para nós. É um poder explorador, que na concepção de Rollo May (1909-1994) pressupõe a violência de impedir escolhas ou espontaneidades por parte das vítimas- todos nós. A agressão – destrutiva e desmoralizante- de entrar no território de qualquer um e exercer poder insano visando a sua perpetuação. Toda nação colocada em regime de gueto prestes a ser possuída pelo micróbio em sua febril missão.
A proxêmica cuida das zonas de território e sobre o modo de usar. São quatro zonas onde os seres humanos costumam se relacionar e que foram organizadas em 1963 pelo antropólogo Edward T Hall Jr (1914-2009):
a) distância íntima, com área de aproximação e de distanciamento iguais de 15 a 45 cm; b) distância pessoal, com área de aproximação de 45 a 75 cm e área de distanciamento de 75 a 120 cm; c) distância social, com área de aproximação de 1,20 m a 2,00 m e área de distanciamento de 2,00 m a 3,50 m; d) distância pública, com área de aproximação de 3,50 m a 7,50 m e área de distanciamento acima de 7,50 m.
A pandemia atual enfatiza a distância de contaminação que se mostra, teoricamente, decrescente desde a íntima no sentido da pública e com repercussões nas necessidades de isolamento. De fato, na distância íntima a pessoa está perfeitamente cônscia da presença da outra; na área de aproximação da distância pessoal, é possível, ainda, um aperto de mão contaminante; na área de distanciamento da distância pessoal não é possível tocar com naturalidade a outra pessoa, favorecendo o desaconselhamento; na área de aproximação da distância social é onde são habitualmente tratados assuntos impessoais- observamos alguém fazendo um conserto; na área de distanciamento da distância social só de dispõe do contato visual – numa festa; a área de aproximação da distância pública é representada classicamente pelo professor numa sala de aula; a área de distanciamento da distância pública corresponde à figura do político discursando num comício. Evidentemente, um determinado território mescla pessoas com várias distâncias entre si. Decisões sobre o uso de equipamentos de proteção contra contaminação e restrições à plena liberdade de se conduzir são influenciadas pela proxêmica.
Inspirado em Hannah Arendt (1906-1975), um ambiente hospitalar que, por obviedade da sua atribuição, detém enorme potencial de transmissão do novo coronavírus, não pode deixar de se envolver com a contraposição entre liberdade teórica e não-liberdade prática. Um prato cheio para análises críticas sobre excessos e carências. Lápis e borracha em uso permanente.
O perigo da resposta retardada exige acelerada absorção de fatos e dados e construção de estratégias que quais bastões de madeira têm uma das extremidades de cunho beneficente – vidas que não se economizam- e outra extremidade com expressão maleficente – a desvitalização da economia. Vantagens para a circulação de agentes de informação e desvantagem para a circulação de gente.
Circular pelo hospital sem necessidade do seu uso ou de sua efetiva contribuição, por exemplo, torna-se questão relevante em função do ordenamento maior: tudo possível para não contrair/disseminar a infecção, se contrair que não seja grave, se for grave que tenha assistência de excelência.
Em tempos de forte hierarquização de única doença em toda a sociedade, a liberdade teórica ao direito ao princípio da autonomia pelo paciente e articulado com desejos, preferências, valores e objetivos, fica, na prática, restringido. A situação de crise social assemelha-se a da emergência clínica. O poder de decisão rotineiro do paciente e seus circunstantes (acompanhantes/visitas) fica limitado provisoriamente. Mais do que dar um consentimento para o médico, todos precisam dar um consentimento para si próprio.
Assim sendo, no espaço de tempo que se justificar necessário, comportamentos num hospital de grande movimento passam a ser orientados menos por uma questão de liberdade e mais por uma questão de (des)necessidade circunstancial com forte repercussão sobre qualidade de vida e sobrevida de todos.
O dever de conter/bloquear/eliminar táticas utilizadas pelo novo vírus dá legitimidade para um conjunto de medidas restritivas a vontades habituais num hospital. Recordemos que em 1918 durante a gripe espanhola, chegou-se a classificar o ato de fazer visita como falta de educação. Não precisamos chegar a tanto e vamos preferir a comunicação positiva: Abstenha-se de fazer visitas!