A interface da Bioética com a farmacoterapêutica remonta a tempos imemoriais. Há documentos atestatórios. Um deles é o áudio preservado do Reino Encantado da FarmacoTerapêutica, onde fármacos e fármagos conviviam com bens e males como súditos da Clínica Soberana.
Periodicamente, um decreto de Sua Alteza Drágea II promovia uma excursão guiada pelo Reino sob a condução do Fármago-ministro, o Duque de Poção e Pomada, responsável pela padronização ética e a formulação responsável, até mesmo quando atua com contrastes.
O Fármago-ministro pratica a fármaco-fraternidade liderando sais básicos que trabalham com carteira assinada e carimbada pela Receita Federal do Reino e usam crachás onde se lê: Medicamento Padronizado. Alguns, em geral sob jejum, diziam que o Fármago-ministro era dose, difícil de engolir, até provocava alergia, um contagotas na liberação de verbas, mas a maioria do estômago cheio achava que ele tinha boa afinidade com quem lhe fosse receptor, fazia dispensação solidária e era um doutor em soluções.
Transcrevemos o áudio:
Como amplamente divulgado pelo Memento Real, após assinar o Decreto do Prazo de Validade, uma inovação para uso interno a fim de garantir que os súditos não se tornem placebos, Sua Alteza Drágea II, prescreveu com sua tradicional letra de médico que como se sabe é somente compreendida dentro das fronteiras do Reino da FarmacoTerapêutica, o ano da Não Maleficência. Sob o slogan Efeito adverso zero, já está ativa uma campanha de conscientização popular para que haja maior precisão de objetivos no trabalho diário, bem como mais cuidado quanto a interações medicamentosas e alimentares. Por isso, Sua Alteza Drágea II achou por bem promover esta excursão por aprazíveis recantos da Bioética. Formulamos a todos uma excelente metabolização.
Por favor, entrem no ônibus da Bioética, como podem perceber sob nova embalagem e sem nenhuma tarja e tomem seus assentos. Crianças e mulheres grávidas também! Como verão, o espaço entre as poltronas é confortável, vocês não vão se sentir nem comprimidos, nem encapsulados. As amplas janelas darão total sensação de estarem na circulação e prontos para absorção do conteúdo validado pela Agência Real de Vigilância sob a competente direção do Marquês da Posologia, o popular miligrama do sucesso da TV Faturando na Hipocondria.
Na bolsa à frente do assento, vocês encontrarão, além do indispensável copo d´água, um exemplar da Bula Real, a instrutiva leitura que comenta sobre a Constituição do Reino com seus fundamentos: a soberania da clínica, a cidadania dos súditos, a dignidade da pessoa dos fármacos, os valores sociais do mecanismo de ação e da livre receptividade e o pluralismo de classes terapêuticas.
O nosso motorista hoje é um velho condutor do ônibus da Bioética, o Da Moral, cujo prontuário de habilitação é garantia de respeito aos códigos e leis.
A Segurança é ponto de honra no Reino da FarmacoTerapêutica. Fiquem tranquilos quanto a isto, o nosso ônibus faz uma revisão mensal na Oficina da Bioética. Nossos princípios estão sempre ativos.
O nosso veículo QSP da Real Vi…ação Prolongada seguirá pela Rodo…via Oral onde fará um reabastecimento no Posto de Enfermagem que atende ao SUS…DÍTOS do Reino. Prosseguiremos pelo Caminho da Ética, sem desvios, cruzaremos a Ponte dos Remédios e entraremos no Campus da Bioética.
Faremos 4 paradas nos mirantes deste tour pela Bioética. Iniciaremos pelo mirante da … BENEFICÊNCIA, depois passaremos pelo da… NÃO MALEFICÊNCIA, em seguida pelo da … AUTONOMIA e terminaremos no da… JUSTIÇA. Não se impressionem com algumas manobras que precisarão ser feitas, pois há uns bloqueios entre os mirantes que nossos engenheiros lutam cotidianamente para solucionar.
Desejamos a todos uma excelente viagem!
Na velocidade do efeito sublingual, já estamos aqui no mirante da Beneficência. À direita vocês podem ver o majestoso Hospital do Castelo, o lendário HC, onde como Fármago-ministro dou expediente no Real Departamento dos Genéricos.
Aliás, a sigla HC é que não falta no Reino da FármacoTerapêutica. Há o HC Hidrato de Coral, que declama melodias que acalmam e o HC HidroCortezona azul, onde os fármacos estacionam e aguardam orientação.
Reparem as placas de indicação e de contraindicação que o Departamento de Diretrizes do Reino confecciona com as mais atualizadas tecnologias.
À esquerda pode-se ver a maravilhosa Távola Redonda, o local onde acontece o vestibular para novo fármaco, que recém-saído dos laboratórios de pesquisa, deseja ser selecionado e adquirir status de padronizado.
Como fármago-ministro, eu comando, pessoalmente, o rigoroso processo de admissão de um novo fármaco. A concessão da cidadania do Reino é expedida ao fármaco-vestibulando que se qualifica como útil, eficaz e econômico. Assim, ele adquire o direito à chancela de agente da Beneficência, um valor maior no Curriculum Lattes de um súdito da Clínica Soberana.
Um pouco mais à esquerda, fica a Porta Movediça da Aposentadoria, coroada pelas armas reais, onde fármacos que completaram o tempo de serviço se despedem, permanecendo na memória dos arquivos reais guardados na Torre do Bulário.
Cartazes espalhados por todo o Reino, como podem ver, mostram a foto dos fármacos e suas biografias, pois suas meia-vidas devem ser conhecidas por todos. Vocês vêem muitos relógios em forma de ampolas, eles são um símbolo nacional, homenagem à Fada Madrinha ReceitaCerta e cujas badaladas acontecem diariamente de 12 em 12 horas.
Mais uns poucos metros e vamos chegar no mirante da Não Maleficência, que fica bem pertinho do da Beneficência.
A visão do mirante da Não Maleficência tem o seu ponto alto na bandeira nacional tremulando no Pico da Cautela. Reparem que no centro da bandeira existe um enorme comprimido branco onde está escrito com letras gravadas a fogo o lema do Reino: Primum Non Nocere, criado por Hipócrates logo depois que fez o famoso Juramento, uma inspiração após uma audiência com a nossa Soberana.
Há todo o empenho nacional em prevenir reações que desagradem os súditos, que provoquem interações prejudiciais. Assessores de BioSegurança Real reveem escalas de trabalho para que um fármaco atue com intervalo de outro e dão orientações sobre como reduzir o ímpeto de servir a qualquer custo. Futilidade e Obstinação são infrações graves previstas na lei Ortotanásia, promulgada por iniciativa da nossa Soberana.
A proteção é ponto de honra do Reino. Vejam ali aqueles dois fármacos caminhando de mãos dadas. Um é o Diclofenaco, um ícone do Reino, mas muito genioso, haja estômago para aguentá-lo, a outra é a Ranitidina, escolhida para o acompanhar. Estão juntos faz algum tempo… Comentam até que estão tendo um caso… farmacoclínico.
Nesta semana, a Folha do Medicamento Prescrito noticiou na primeira página: fechou o tempo entre dois fármacos ciumentos. A aspirina e a varfarina se encontraram na Cascata da Coagulação e houve um conflito entre elas. A cena de ciúmes foi causada por um Coágulo e aí elas trombaram. A aspirina, em plena inflamação, chamou a varfarina de remédio para ratos. A varfarina xingou a aspirina de desagregante plaquetário. Elas chegaram às vias de fato e foram parar no PS do Hospital do Castelo, com vários hematomas e sangrando por todas as moléculas. Em consequência, foram suspensas temporariamente de suas funções.
Vamos voltar ao ônibus, num estalar de dedos estaremos diante do Mirante da Autonomia, inaugurado no Dia Nacional da Dignidade, uma ideia do Real Comitê HC de Humanização.
A questão da Autonomia tem sido tratada com diplomacia por Sua Alteza Drágea II. As ações visam a conciliar satisfação da maioria com resignação ao progresso farmacológico, além de equilibrar a permissão passiva e a escolha ativa.
E por fim, chegamos à última etapa do nosso tour pelos mirantes da Bioética, o Mirante da Justiça. Vejam o jardim Conformidade ao Direito e a fonte da Igualdade entre interesses legítimos que embelezam a famosa praça da Equidade.
Foi naquele monumento em forma de conta-gota que aconteceu a entrega da Ordem da Justiça Social aos fármacos colaboradores do Fármago-ministro. Na ocasião, Sua Alteza fez um discurso reconhecendo o valor das boas práticas de racionalização perante os desafios do Tribunal da Licitação e do Pregão do Reino. Ela enalteceu a excelente distribuição per capita, de acordo com as limitações do Real recurso orçamentário.
A nossa viagem está chegando ao final.
Logo, logo, estaremos estacionando no Bosque da Saúde, o local de retorno sonhado por todos.
Agradecemos a sua preferência por viajar Bioética e esperamos ter a oportunidade de tê-los a bordo numa próxima viagem pelo Reino Encantado da Farmacoterapêutica.
Muito obrigado!
Uma resposta
Busca pela saúde versus tecnicismo; tudo que temos enfrentado ao longo dos tempos. Batalhas a serem mediadas pela Bioética.