Aconteceu recentemente. O paciente voltou a me procurar após cinco anos porque a sua pressão arterial subira. Fazia uso do mesmo anti-hipertensivo que havia lhe prescrito e trouxe um MAPA recém-realizado com alta carga pressórica sistólica e diastólica, na vigília e durante o sono. Constatei no exame pressão arterial de 150 x 100 mmHg.
Expliquei-lhe que era conveniente mudar o tratamento face aos registros da hipertensão arterial sistêmica. O paciente não aceitou, justificou que na verdade estava usando meia dose do prescrito e que desejava passar a tomar a dose plena.
Insisti na troca de fármaco detalhando para o paciente as medidas preocupantes registradas no MAPA. O paciente verbalizou que o dia do exame tivera uma série de contratempos, que preferia, então, repetir o exame noutro dia mais tranquilo. Esvaziei a caixa de argumentos com base na etiopatogenia, fisiopatologia e prognóstico, mas o paciente estava decidido a ajustar a dose e repetir o MAPA.
Segui, então, o Art. 31 do Código de Ética médica vigente- É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Fiz nova prescrição do medicamento antigo e uma solicitação de MAPA. O paciente despediu-se aparentando satisfação com a consulta. Justamente, o inverso do que eu sentia.
Os meus interesses interpessoal e profissional alinhado à medicina ficaram à mercê do direito do paciente de não aceitar o que o médico recomenda porque o desejo prioriza. Neste contexto, verifica-se que o caráter social da medicina é disposição que não exige submissão, razão pela qual o exercício do (não)consentimento precisa ter completa liberdade de manifestação.
Felizmente, há muito tempo superei qualquer sensação de hipocondria moral, o temor de ser culpado, o excesso de preocupação com que os outros poderiam comentar, caso viessem a interpretar o meu atendimento numa situação sequente, por exemplo, de manifestação de um acidente vascular cerebral associado a níveis elevados da pressão arterial neste paciente. Mas resquícios não deixam de persistir, sempre incomodam.
Como registrei detahado em prontuário, as recomendações foram claras e o paciente assumiu responsabilidade quando não consentiu em as seguir. O rigor tecnocientífico foi considerado e a tolerância foi respeitada. A complexidade da doença foi comentada e a beneficência da mudança farmacológica foi esclarecida. Desta maneira, não haverá nenhuma pertinência num eventual juízo de imprudência da minha parte.
Interessante é que a conexão médico-paciente não se desfez pela contraposição. Da minha parte, não há razão para um ato radical de objeção de consciência para eliminar o paciente dos meus cuidados profissionais, seria uma expressão de excesso de autoridade. Por outro lado, qualquer pensamento cientificista de alertar familiares do paciente, que, aliás, eu conheço, seria quebra de sigilo sem enquadramento como justa causa.
Nestes 40 dias que já se passaram, o que resolvi fazer foi telefonar para o paciente cobrando a realização do MAPA entendendo que a documentação – se semelhante à anterior- facilitaria a adesão do paciente a uma conduta mais adequada. O exame está agendado para hoje. Há muitas velocidades para cada conduta médica!
A experiência profissional reforça que devemos manter a esperança que uma mudança de atitude do paciente pós- não consentimento que julgamos ter sido bem esclarecido sobre prognóstico de sua qualidade de vida e sobrevida possa ocorrer aos 45 minutos do segundo tempo. Faz parte do paternalismo, o brando.