Na conexão médico-paciente que se pretende ideal, há o sentido do consentimento orientado pela descrição dos benefícios a serem atingidos e o sentido do não consentimento dominado pela enumeração de malefícios. Na verdade, esta última opção não costuma levar a nenhum lugar à frente, funciona como um retorno ao marco zero.
Quando pensamentos contraditórios surgem na mente do paciente, quando Sim e Não alternam-se de modo angustiante, revela-se a inabilidade de se lidar com dilemas sobre a sua própria saúde, sobrevida e qualidade de vida. O médico informa, o médico esclarece, o médico re-explica e o paciente é quem decide num clima de indeterminações, pois não há como garantir a realização das potencialidades de benefícios e a evitação das potencialidades de malefícios.
É um momento de tensão para o médico, ele sabe mas não conhece. Ele é antena da medicina mas não do resultado. Autenticidades de seu saber colidem com as individualidades. Regras para o eticamente correto exigem certas máscaras. Qualquer sensibilidade paternal fica refém do conceito de paternalismo. Perda da liberdade em nome de outra liberdade.
O médico está acostumado a cuidar do risco de adversidades, o paciente não está preparado comumente para se arriscar a um resultado adverso. O médico coleciona uma vasta memória que lhe serve de orientação acima de eventuais desejos e preferências, o paciente carece da massa de memória e substitui por desejos e preferências. Afinal, um é profissional, o outro é leigo.
Evidentemente, há situações e situações. Temos aquelas em que o não consentimento pelo paciente equivale a um suicídio e temos as que o justificam plenamente pela terrível conjunção da persistência de sofrimento sem marcada influência no prognóstico.
O direito ao princípio da autonomia ao mesmo tempo em que é instrumento de contensão de abusos faz soar um alarme sobre o uso ético da medicina com crescentes indeterminações a reboque da expansão e diversificação de métodos disponíveis.